A anistia discutida no Congresso Nacional corre o risco de enfrentar duas barreiras jurídicas. A primeira delas é nacional: muito provavelmente o STF julgaria inconstitucional uma medida que perdoasse as pessoas que tentaram dar um golpe de Estado.
A segunda barreira é internacional. À coluna, o juiz Guilherme Madeira, que também é professor de Direito da USP (Universidade de São Paulo), ponderou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), não aprova a autoanistia.
Segundo o magistrado, o órgão tem jurisprudência no sentido de não admitir que o Estado conceda perdão a seus próprios agentes. Madeira lembrou que o Brasil já foi condenado pela Corte por ter anistiado agentes do Estado brasileiro que cometeram crimes na ditadura militar.
“A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem uma jurisprudência bem sólida entendendo que não pode haver a chamada autoanistia, ou seja, o Estado não pode anistiar os seus próprios agentes. Por isso, o Brasil foi condenado a revogar a Lei de Anistia quanto aos agentes de Estado, militares e outros. Essa condenação foi no caso Gomes Lundi e outros versus Brasil, que ficou conhecido vulgarmente como 'caso Guerrilha do Araguaia'. Eu entendo, na esteira da Corte, que não é possível anistiar a militares e agentes de Estado acusados de participar do golpe”, afirmou Madeira.
O juiz, no entanto, considera diferente a situação de outros cidadãos que participaram da tentativa de golpe. “Quanto aos civis, existe uma divisão na doutrina. Há doutrinadores que entendem que não poderia haver essa anistia, pois ela iria ferir princípios sensíveis da Constituição, como princípio democrático. Eu entendo que não é inconstitucional anistiar os civis. Trata-se de uma prerrogativa do Parlamento, com custo político neste caso. Esse tema é controverso e há poucas certezas quanto a ele”, disse o juiz, referindo-se às pessoas que não são agiram em nome do Estado e, não, ao fato de não serem militares, quando usa o termo "civis".
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão com decisões autônomas e funciona na Costa Rica. Até hoje, o Brasil não cumpriu a decisão de revogar a parte da Lei de Anistia que impede a punição de agentes do Estado. Apesar de ter forte apelo na comunidade internacional, as decisões do órgão não são de cumprimento obrigatório.