Na semana em que o mercado financeiro espera ansiosamente a ata do Copom (Comitê de Política Monetária) para digerir os detalhes da decisão da cúpula do Banco Central de aumentar os juros em um ponto percentual e sinalizar mais duas altas no início de 2025, a fala do presidente Lula de que o BC é irresponsável ao elevar juros soa como crítica a Roberto Campos Neto, atual presidente e seu desafeto pessoal, mas respinga diretamente em Gabriel Galípolo, seu pupilo que assumirá o comando do BC mês que vem.
Na semana passada, quando o BC elevou os juros para 12,25% ao ano e disse que novas duas altas da mesma magnitude poderão ocorrer em janeiro e em março de 2025, dadas as incertezas no front econômico, analistas e investidores interpretaram como uma demonstração de continuidade do pensamento predominante na gestão de Campos Neto. Isso contribuiu para reforçar a tese de que Galípolo, apesar de ser indicação do presidente Lula e de o governo passar a ter maioria no BC, atuará de forma autônoma. A partir de janeiro, sete dos nove diretores que compõem o comitê que define a taxa de juros serão escolha de Lula, o que, para o mercado financeiro, colocará em xeque o sistema de autonomia da autoridade monetária, aprovado em 2021.
“Essas falas do Lula só ajudam a fazer as expectativas ficarem mais desancoradas e os agentes, com receio de que o BC não poderá fazer o que é o mandato dele: controlar a inflação”, avalia Luiz Fernando Figueiredo, ex- diretor de Política Monetária do BC e sócio da gestora de recursos Mauá Capital. O mercado questiona a capacidade de Galípolo conseguir resistir às pressões do Palácio do Planalto para cortes nos juros, em especial, considerando que 2026 é ano eleitoral, quando estará em jogo a cadeira presidencial nos quatro anos seguintes. “Foi uma crítica para tentar se blindar e as pessoas não acharem que Lula apoia juros altos”, opina o diretor de um grande banco. “Mas isso só piora as análises do mercado sobre o que poderá ser a gestão Galípolo. E num momento em que os sinais iam na direção contrária”, completa.
Segundo Figueiredo, a atividade econômica está forte puxada por alguns setores, como o de serviços, o que pressiona a inflação. Além disso, o desemprego no menor nível histórico e as pessoas com renda no bolso reforçam esse cenário. “A inflação está acelerando e o BC precisa, sim, esfriar a economia”, diz Figueiredo.
Uma parte do impulso que alimenta a inflação vem dos gastos públicos. Mas, para 2025, a expectativa é que, na margem, esse estímulo fiscal será menor. Se isso se confirmar, a política fiscal deixará de atrapalhar tanto a política monetária, já que com despesas públicas crescendo num ritmo menor, os juros deixam de ser o único instrumento para tentar controlar o nível de atividade econômica. Mas até que isso materialize, o BC precisa atuar para conter os preços. Sobretudo quando as decisões que ele toma hoje levam tempo para surtir efeito pleno na economia. A estimativa do próprio BC é que a alta de juros de agora irá se refletir plenamente na vida real no início de 2026.
Por isso, a equipe econômica tem batalhado tanto pela aprovação das medidas de contenção de gastos que estão no Congresso Nacional. Nesta segunda- feira, 16, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) reforçou o apelo feito pelo presidente Lula para que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não desidratem o pacote fiscal. “O apelo que ele (presidente) está fazendo é para que as medidas não sejam desidratadas. Temos um conjunto de medidas que garantem a robustez do arcabouço fiscal, estamos convencidos que vamos continuar cumprindo as metas fiscais nos próximos anos”, afirmou após visitar Lula e atualizá-lo sobre as negociações com o Congresso.
De acordo com o ministro, o presidente pediu um quadro detalhado das articulações políticas nas últimas semanas e prometeu conversar com as lideranças. Haddad segue otimista na aprovação das medidas ainda neste ano, assim como a reforma tributária e o orçamento de 2025.