Da “síndrome da amígdala” à hiperativação do sistema nervoso, a ansiedade climática vai se tornando mais conhecida à medida que seus efeitos psíquicos vão sendo desvendados. Em entrevista ao Matinal, do canal Amado Mundo, no YouTube, a atriz e psicóloga Maria Paula Fidalgo analisou as nuances da ansiedade gerada pela crise ambiental e fez um alerta: ela não pode ser tratada como exagero ou “mimimi”.
Segundo Maria Paula, o fenômeno está diretamente ligado à forma como nosso cérebro responde ao medo constante: a exposição repetida a notícias alarmantes sobre o meio ambiente ativa a amígdala — estrutura cerebral responsável por detectar ameaças — de forma prolongada, levando ao esgotamento emocional e à dificuldade de discernimento.
“Estamos vivendo surtos e dissociação coletiva”, alertou. A consequência: jovens decidindo suas carreiras, recusando a maternidade e desenvolvendo distúrbios psíquicos graves a partir do medo do futuro.
Maria Paula propôs caminhos concretos. Para ela, é urgente reconhecer a legitimidade desse sofrimento e investir em redes de acolhimento emocional.
“Cada um precisa cuidar da própria saúde mental, sim, mas entendendo que isso é um ato coletivo”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Tem muita gente que ainda trata a ansiedade climática como exagero. Como você vê isso?
Ansiedade climática não é “mimimi”, é real. As ameaças estão aí, concretas, e a repetição dessas notícias assustadoras na mídia hiperestimula nosso sistema nervoso. Isso tem efeitos sérios, inclusive epigenéticos e intergeracionais. A juventude está fazendo escolhas importantes, como carreira e maternidade, com base no medo. A gente precisa parar de rotular e encarar isso com seriedade. Os transtornos psíquicos estão crescendo de forma assustadora, os eventos extremos estão aumentando, e a gente está vivendo surtos e dissociação coletiva. A saída começa por dentro: autorregulação emocional e redes de apoio são fundamentais.
Como você se aproximou desse tema? E de onde veio o seu interesse na questão climática?
Vem de muito antes da minha carreira artística. Eu fui a várias COPs, em Paris, Marrakech, Bonn etc, e sempre tive essa consciência de que minha visibilidade tem que ser usada para algo relevante. Não quero reforçar o paradigma patético de celebridade, de fama e de grana, que é uma coisa que acontece muito.
Minha formação é em psicologia, minha especialização acadêmica é em saúde mental. E eu tenho essa preocupação natural de ser uma pessoa que, quando subo no palco e falo alguma coisa, as pessoas ouvem o que estou dizendo, porque estão acostumadas a me ver. Então, por que não falar de coisas importantes e sérias ao invés de ficar simplesmente reforçando os estereótipos, os temas e assuntos que são dispensáveis?
O que a gente já sabe sobre a ansiedade climática? Ela está restrita a alguns países ou é algo mais generalizado?
É um fenômeno global e muito intenso. Os índices de distúrbios psíquicos em crianças e jovens estão em níveis nunca antes vistos. É real, sério e precisa ser discutido com responsabilidade. A gente não pode tratar como tabu ou rótulo. Estamos criando redes de apoio com psicólogos, terapeutas e artistas. Uma das formas de lidar com isso é por meio da arte. Nos Estados Unidos isso já é feito, e agora estamos começando no Brasil. É uma forma de ajudar as pessoas a expressarem o que sentem e se autorregularem emocionalmente.
O escapismo dos jovens é um mecanismo de defesa. Quando o medo domina, o discernimento some. Precisamos criar espaços seguros para expressar o que está sendo sentido e educar emocionalmente desde cedo. É importante falar sobre sensação, emoção, sentimento.
Estamos criando laboratórios no Brasil com esse objetivo. A ideia é prevenir surtos coletivos e evitar que o monstro da ansiedade climática cresça em silêncio. É acolher, tratar, conversar, tudo isso com apoio, arte e informação. Porque o que está sendo sentido é concreto e precisa de suporte.
Qual a abordagem que você sugere para conversar sobre isso com crianças e adolescentes?
A primeira coisa é legitimar. Acolher e não rotular. Mostrar que não é só aquela criança que sente isso, está todo mundo passando por isso. E não adianta nem negar, nem viver no mundo da fantasia. É preciso ensinar autorregulação emocional e oferecer recursos.
Terapias com arte, esportes, meditação, respiração, tudo isso ajuda. E mais: saúde mental coletiva virou responsabilidade social. Não é mais só “vou para a terapia para ficar bem”. A gente precisa estar preparado, com equilíbrio, para agir com discernimento quando o bicho pegar.
É muita burrice a gente ter um planeta que está dando todos os sinais e a gente está demorando demais para percebê-los. Como é que a gente não está preparado ainda? Tem 30 anos que a gente está falando nisso. E isso das formas mais físicas, dos eventos climáticos extremos. Mas agora a gente está começando a sentir a repercussão psíquica disso.