Enquanto a Califórnia se prepara para injetar anualmente US$750 milhões em sua já consolidada indústria cinematográfica – um reflexo dos mais de US$25 bilhões investidos por estados americanos nas últimas duas décadas –, o Brasil confronta a urgência de reavaliar o seu próprio setor audiovisual. Os Estados Unidos, há muito cientes do “soft power” emanado de suas telas, a ponto de o presidente Trump cogitar taxar em 100% produções estrangeiras por supostamente ameaçarem a soberania nacional e a tecitura de valores culturais e econômicos, oferecem um espelho da relevância estratégica desta indústria.

Embora o país tenha demonstrado visão com a criação da Ancine e da Condecine em 2001 – um sistema de fomento autossustentável, crucial para o crescimento qualitativo e quantitativo do setor e de sua vasta cadeia produtiva –, as políticas atuais caducaram. Diante da revolução digital e da ascensão do streaming, onde o “conteúdo é rei” e nações como Coreia do Sul e Espanha avançam estrategicamente, o modelo brasileiro paralisou. Mais de 60% dos recursos da Condecine são desviados para reduzir o déficit público, o restante é aplicado de forma pulverizada e a burocracia emperra produções por anos.

Essa disfunção ocorre apesar da resiliência do nosso audiovisual, que segue conquistando prêmios. Contudo, o Brasil, segundo maior mercado de streaming, perdendo apenas para a Nova Zelândia, opera há 14 anos sem regulação específica, o que resultou em perdas superiores a R$10 bilhões em investimentos potenciais na produção independente nacional. Soma-se a isso uma exploração centenária do nosso mercado pelo cinema estrangeiro sem contrapartidas robustas. O Marco Legal do Streaming, proposto no PL 2.331/22, surge assim como uma oportunidade singular e inadiável.

A nova regulação precisa assegurar uma “dosimetria adequada”, priorizando o investimento automático em licenciamento de conteúdo nacional e garantindo agilidade às plataformas, privilegiando o investimento automático em licenciamento de conteúdos e assegurando às plataformas de streaming as condições para planejamento, curadoria qualificada e agilidade competitiva – seguindo modelos de sucesso como os da França, Itália, Espanha e Portugal, por exemplo, onde o investimento direto na produção local é premissa central.

O streaming se tornou uma arma poderosa, assim como as redes sociais e o compartilhamento de dados. A difusão do conteúdo em inúmeros países, atingindo públicos jamais imagináveis, é o melhor resultado que se pode atingir de uma política pública moderna. É imperativo que o Estado fomente e proteja, sem interferir nas decisões de investimento, e que a propriedade intelectual e patrimonial das obras financiadas pertença ao produtor brasileiro independente.

A maior parte da indústria cinematográfica brasileira hoje apoia, pois, a célere aprovação do PL 2.331/22, ainda neste semestre, conforme aprovado no Senado (relatoria do senador Eduardo Gomes) e com o substitutivo da deputada Jandira Feghali. O lema “menos Estado e mais liberdade” deve nortear esta mudança, conferindo à nossa indústria audiovisual a competitividade necessária para, finalmente, brilhar no cenário global.

*Paulo Schmidt é sócio, produtor e um dos fundadores da Academia de Filmes (Pedra do Reino, Mil Faces etc.), com 45 anos de experiência no mercado audiovisual independente é diretor do Siaesp (Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo)