Seguindo a estratégia de tentar ressignificar a imagem ruim do governo demonstrada nas recentes pesquisas de opinião, governistas unificaram o discurso. Do Palácio do Planalto, passando pelo Congresso e pela Esplanada dos Ministérios, todos repetem como um mantra que a inflação vai cair com o recuo da taxa de câmbio e uma safra maior este ano, o que afeta diretamente o preço dos alimentos, vilão do IPCA (índice referência para o governo) em 2024. Deslocado desse circuito do poder em Brasília, o Banco Central, encravado a cerda e 4 quilômetros do Palácio do Planalto, vai na contramão desse otimismo, o que sinaliza que a lua de mel do PT com Gabriel Galípolo pode estar com data marcada para acabar: maio deste ano.
O governo quer inflação em queda. E o BC, dentro do intervalo fixado para meta: entre 1,5% e 4,5%. Olhando para a frente, os diretores destacaram na ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) que, com o cenário externo incerto, resquícios de repasses de movimentos no câmbio para os preços, economia ainda aquecida, alta nos preços dos alimentos e, especialmente, as expectativas de inflação ainda desancoradas, “a inflação acumulada em doze meses permanecerá acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta nos próximos seis meses consecutivos”, configurando um descumprimento da meta que, a partir de deste ano, segue uma nova sistemática.
Sendo assim, uma leitura do documento feita por integrantes do governo é que, com perspectiva de inflação ainda fora do controle em junho, os diretores do BC podem não se sentir confortáveis para reverter ou mesmo encerrar o ciclo de aperto nos juros iniciado no ano passado. “Se o impacto do recuo do dólar estiver se materializando na inflação, por que tem que manter aumento dos juros?”, questiona um interlocutor do presidente Lula. “Inflação em queda não requer juros altos”, completa.
O descompasso da leitura dos riscos inflacionários e a antecipação da disputa eleitoral de 2026 para este ano darão o tom da pressão sobre o Banco Central nos próximos meses, na avaliação do mercado financeiro. O grande teste da autonomia de Galípolo e da nova diretoria do BC, que a partir deste ano é majoritariamente formada por indicados do presidente Lula, será na reunião do Copom marcada para os dias 6 e 7 de maio. Isso porque eles anunciaram desde o final de 2024 que promoveriam dois pontos percentuais de aumento nos juros, um na reunião da semana passada e o outro, na reunião prevista para março. O encontro seguinte do Copom será em maio.
O BC tem como mandato garantir a inflação na meta. A partir deste ano, o que determinará se os diretores cumpriram ou não seu objetivo não será mais o IPCA registrado de janeiro a dezembro, mas o valor acumulado em doze meses e analisado a cada mês. Se, por seis meses consecutivos, essa métrica mostrar uma inflação acima do valor fixado como teto da meta, o BC não terá executado sua tarefa. Por isso, a afirmação na ata de que em junho deste ano a inflação não estará dentro do intervalo fixado foi vista como uma forma indireta de dizer que o ciclo de alta dos juros continuará depois de março.
Lua de mel perto do fim
Ao indicar Galípolo para cargo, Lula foi só elogios à competência dele para a função e, sobretudo, reafirmou que ele terá total autonomia. No final do ano, o presidente fez questão de gravar um vídeo ao lado do novo presidente do BC dizendo que ele será o melhor presidente da autoridade monetária. Além de demonstrar confiança, a atitude foi interpretada como uma estocada em Roberto Campos Neto, que estava deixando o cargo e era seu desafeto pessoal.
Tanto Lula quanto os petistas em geral criticavam a atuação do Campos Neto e a alta de juros promovida na gestão dele. Já Galípolo vive um período de lua de mel. Até a alta de 1 ponto percentual na taxa Selic anunciada na semana passada foi atribuída ao legado de Campos Neto. “Galípolo não tinha o que fazer sem criar uma grande crise”, afirmou o deputado Lindbergh Farias ao PlatôBR. “Foi uma armadilha criada por Campos Neto antes de sair do cargo”, completou. A mesma linha é seguida por outras figuras do governo e do partido.
A crítica é feita apesar de a reunião do Copom de dezembro ter sido coordenada por Galípolo. Na época, ele não havia assumido o posto de presidente do BC oficialmente, mas combinou com Campos Neto que, no curto período de transição, tomaria a frente dos debates. Um deles foi justamente o encontro no qual o Copom decidiu anunciar previamente novas altas de juros para as duas reuniões seguintes. Galípolo e Campos Neto admitiram isso publicamente durante um café da manhã com jornalistas no final de 2024.
Galípolo tem sido presença constante do Palácio do Planalto nos últimos meses. O presidente gosta de ouvir a opinião e as avaliações dele sobre o mercado financeiro. Desde que tomou posse no cargo oficialmente, em janeiro, o economista assumiu uma postura mais discreta e não é visto publicamente com Lula.
Isso não quer, porém, dizer que estejam mais distantes. Ao contrário, manter a distância publicamente faz parte da estratégia do governo de preservar a imagem do novo presidente do BC, que precisa passar credibilidade. Lula tem consciência disso e deve seguir preservando Galípolo.
A dúvida é se essa estratégia se manterá quando as recentes altas de juros estiverem surtindo efeito na economia e o ciclo de aperto monetário for estendido.