Os números em queda das taxas de vacinação nos Estados Unidos, mesmo antes do negacionista Robert F. Kennedy Jr. assumir o posto de secretário de Saúde no governo Donald Trump, mostram como é necessario que o mundo inteiro fique alerta com a força do movimento antivax — mesmo países com tradição em vacinar, como o Brasil.
Negacionista contumaz, RFK Jr. é sobrinho do presidente assassinado John F. Kennedy (JFK) e filho do senador Robert F. Kennedy, que também foi assassinado. Foi nomeado por Donald Trump no ano passado para chefiar o Departamento de Saúde, publicamente anunciado como alguém que vai fazer uma cruzada contra as vacinas. Contudo, o declínio da taxa de vacinação nos EUA começou durante a pandemia de Covid-19, muito antes do debate político atual sequer entrar em jogo.
O cenário da pandemia abalou a confiança no sistema de saúde pública, o que fez famílias de diversas crianças optarem por não se vacinarem, por razões médicas, filosóficas ou religiosas. Após anos de estabilidade, as taxas de vacinação para doenças comumente transmissíveis na infância, como poliomielite, coqueluche e sarampo, vêm apresentando queda considerável no país desde meados de 2020.
Segundo levantamento do New York Times, os índices de crianças com o cartão de vacinação completo para sarampo caiu de 95% no início da pandemia para cerca de 93% no ano passado. As taxas de imunização contra coqueluche e catapora apresentaram queda semelhante, de acordo com os registros dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
Por mais que a média das taxas de vacinação permaneçam altas, os números nacionais mascaram declínios muito mais acentuados a nível estadual. No período pré-pandemia até 2024, as discrepâncias mais significativas nas taxas de vacinação contra o sarampo no jardim de infância foram registradas nos seguintes estados: Flórida (cerca de 94% para 88%), Minnesota (93% para 87%), Wisconsin (93% para 85%), Alasca (92% para 84%) e Idaho (89% para 79%).
Quando as taxas de vacinação para sarampo caem abaixo de 90%, surtos da doença tornam-se mais difíceis de conter, de acordo com epidemiologistas. Números abaixo dessa média podem tornar a disseminação desenfreada do sarampo quase inevitável.
Em uma análise mais detalhada do New York Times sobre os índices de vacinas em 22 estados americanos para doenças comumente transmissíveis na infância, observou-se que existem milhares de escolas cujas taxas de vacinação estão abaixo de 90% em comparação a apenas cinco anos atrás.
Nas escolas públicas de Mineápolis, por exemplo, cartões de vacina completos com todas as doses contra sarampo, caxumba e rubéola entre alunos do jardim de infância caíram de cerca de 90% para 75%.
Cenário político
Pesquisas no segundo semestre de 2024 levantadas pelo empresa de pesquisas Gallup mostraram uma divisão partidária sobre o tema. Em 2019, terceiro ano do primeiro mandato de Donald Trump, 67% dos democratas e simpatizantes opinaram sobre a imunização infantil, classificando-a como “extremamente importante”, e, 52% dos opositores republicanos disseram o mesmo.
Atualmente, 63% dos democratas mantiveram a opinião, e apenas 26% dos democratas continuam a manifestar a importância da imunização das suas crianças. Cerca de 31% do grupo republicano relataram à Gallup que "as vacinas são mais perigosas do que as doenças que deveriam proteger". 5% dos democratas compactuam com o posicionamento desfavorável.
A nova administração Trump pode vir a encorajar ainda mais o discurso antivax e influenciar os programas estaduais de vacinação. Robert F. Kennedy Jr., agora figura principal da Saúde nos Estados Unidos, demonstra tendência a difundir desinformação e teorias da conspiração, como o argumento de que vacinas “causam autismo”, que insiste em repetir há vários anos, sem fundamento científico.
O advogado de 70 anos causa polêmica por liderar movimentos que questionam a regulamentação e a segurança dos produtos farmacêuticos. Em 2007, fundou a organização Children's Health Defense, cujo objetivo é denunciar o que considera práticas nocivas da indústria farmacêutica. A entidade é considerada fonte alarmante de desinformação sobre vacinas, segundo parte da comunidade científica americana.
RFK Jr. também já acusou Bill Gates e Joe Biden de manipulações de informações sobre a pandemia de covid-19 a favor de interesses privados, e é autor de livros que contém diversos comentários controversos sobre supostos efeitos negativos das vacinas e conflitos de interesse no sistema de saúde dos EUA, como The Real Anthony Fauci (‘O verdadeiro Anthony Fauci’) e Letter to Liberals (‘Uma Carta aos Liberais’).
Resultados no Brasil
Em 2021, a vacinação infantil no Brasil havia chegado no pior nível apresentado em três décadas, retornando ao patamar anteriormente visto em 1987. No cenário geral das vacinas, a Unicef, em parceria com a OMS, divulgou que a taxa caiu de 93,1% para 71,49% em todo o país. A OMS recomenda cobertura vacinal de pelo menos 95% da população infantil.
Dados do Programa Nacional de Imunizações no DataSUS indicaram as quedas para vacinas específicas: vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), que em 2015 chegou a 96% das crianças, mas em 2021 caiu para 71%; a pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e hemófilo B), que caiu de 96% para 68% no mesmo período; e a de poliomielite (contra paralisia infantil), que foi de 98% a 67%.
Dada a realidade naquele ano, doenças antes erradicadas estavam sujeitas a voltar ao estado de risco à população. Foi o caso do sarampo: erradicado no Brasil em 2016, retornou para a lista de doenças do país em 2018.
As baixas coberturas vacinais foram ainda mais agravadas pela pandemia de Covid-19. Segundo a Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, as recomendações das autoridades sanitárias de distanciamento social e outras medidas não farmacológicas afastaram a população das unidades de saúde para se vacinarem.
Apesar de menores taxas de vacinação desde 2016, o Brasil reverteu a tendência de queda nas coberturas vacinais e registrou aumento de 13 imunizantes do calendário infantil de janeiro a outubro de 2023, em comparação com o ano anterior.
Houve crescimento no índice de vacinação dos imunizantes contra BCG, hepatite A, hepatite B, poliomielite, pneumocócica, primeiro reforço da meningocócica, DTP ou tríplice bacteriana (difteria, tétano e coqueluche) e tríplice viral 1ª dose e 2ª dose (sarampo, caxumba e rubéola) em crianças de até um ano, penta (DTP/HB/Hib) e varicela.
Em 2024 o Brasil avançou mais na imunização infantil e oficialmente saiu da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo, com base em dados relatados pelos países à OMS e Unicef. Em 2021, o Brasil ocupava o sétimo lugar nesse ranking.
O número de crianças sem nenhuma dose da DTP1 caiu de 687 mil em 2021 para 103 mil em 2023. Já o número de crianças brasileiras que não receberam a DTP3 foi de 846 mil para 257 mil no mesmo período.
Apesar dos avanços e esforços do governo, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Campanhas de imunização nacionais ainda não têm atingido a meta, como as da dengue (aplicadas desde o início de 2024 em crianças de 10 a 14 anos) e da gripe, com baixa adesão em todo o país.
Em setembro de 2024, o diretor do PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde, Eder Gatti, havia demonstrado preocupação em relação à baixa procura pelo imunizante contra a dengue. Dentre as 6,2 milhões de doses distribuídas aos estados e municípios, 3,9 milhões foram aplicadas.