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Dobradinha Alckmin-Haddad está em teste por causa do aço chinês

Pressão do empresariado por taxação das importações vindas da China esbarra na preocupação do governo com o impacto de uma medida protecionista sobre a inflação

Fotos: Cadu Gomes/VPR e Diogo Zacarias/MF
Fotos: Cadu Gomes/VPR e Diogo Zacarias/MF

Em meio à guerra tarifária do aço desencadeada pelo governo de Donald Trump, a dobradinha do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin com Fernando Haddad (Fazenda), até aqui tida como extremamente bem-sucedida, passará pelo maior teste desde o início do governo Lula-3.

À frente das negociações com os Estados Unidos para tentar minimizar o impacto da taxação das exportações brasileiras, Alckmin tem um problema ainda maior para administrar na avaliação do empresariado: a irritação crescente com o prejuízo gerado pela concorrência, segundo eles “desleal”, do aço chinês e a briga para tarifar os produtos de lá. Haddad, por sua vez, olha o cenário por outro ângulo: o impacto que medidas protecionistas podem ter para a inflação.

Segundo um interlocutor do setor, desde o segundo semestre de 2024 os empresários têm realizado seguidas reuniões para tratar do tema com a equipe de Alckmin. A demanda deles é sempre a mesma: a adoção de medidas que protejam a indústria local das importações de aço vindas da China. “O mundo todo está se protegendo e fazendo algo contra a inundação dos produtos chineses. O governo é lento, mas temos tido boas conversas. Agora, chegou Haddad”, diz um alto executivo de uma das maiores empresas do setor.

A chegada de Haddad, segundo assessores do governo, tem um motivo claro: a preocupação com o impacto dos desdobramentos de toda essa guerra tarifária na inflação. “Essa é uma preocupação legitima do governo”, defende um deles. O próprio ministro, aliás, deixou isso claro na reunião desta semana com o setor.

De acordo com relato de pessoas que participaram desses encontros entre o setor produtivo e o governo, diante do argumento dos executivos de que é preciso taxar os produtos chineses, o ministro teria reagido: “Se houver taxação dos chineses, no dia seguinte vocês aumentam o preço aqui”. É o que está acontecendo nos Estados Unidos. Os empresários não negam, mas argumentam que uma provável elevação não seria imediata e teria impacto menor da inflação.

“O preço da bobina quente subiu 28% nos últimos 30 dias no Estados Unidos”, admite um executivo, referindo-se a um produto largamente utilizado na indústria.

O executivo diz que está claro “o desespero do governo com a inflação”, o que, para ele, leva o debate do contexto técnico para o político, já que a alta do IPCA no último ano, em especial dos alimentos, teve impacto devastador na popularidade de Lula medida nas últimas pesquisas de opinião.

Por isso, para o setor siderúrgico, é melhor seguir com a interlocução do MDIC de Alckmin. “Temos argumentos técnicos que devem ser o foco. Se não, por mais que a gente estude e prove com números, haverá alguém no governo que fará o cálculo político e dirá que não é possível fazer”, alega.

Mas o governo até que fez. No ano passado, foram adotadas cotas de importações do aço chinês e uma taxação de 25% para os carregamentos que ultrapassassem o teto fixado. A choradeira do empresariado, porém, segue. Segundo o setor, a cota estabelecida foi muito elevada e só serviu para referendar o patamar de importações de 2023 para 2024. Pelos cálculos do setor, 25% do aço usado no Brasil vêm da China.

Nesta quinta-feira, 13, durante apresentação do resultado da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), os executivos foram questionados por investidores sobre essa volatilidade no mercado de aço e as importações da China. O diretor-executivo comercial e de logística da companhia, Luís Martinez, afirmou que o sistema de cotas “não funcionou” e que as últimas reuniões com o MDIC foram “inócuas”, já que houve pouco avanço. Ele também criticou a postura do governo, que nesta semana decidiu não impor tarifa provisória para os laminados a frio da China.

Os empresários cobram rapidez na atuação do governo. Em relação aos Estados Unidos, eles apostam numa saída negociada. Já com a China, argumentam que outros interesses, em outros segmentos podem falar mais alto. Para um interlocutor do setor, está na hora de o ministro Alckmin ser “mais ministro da Indústria e Comércio” e “menos colega da Fazenda”.

Essa crítica a Alckmin já havia sido feita em outros momentos no primeiro ano da gestão Lula. Haddad foi um dos articuladores da chapa Lula-Alckmin para as eleições de 2022. Nos momentos de maior tensão, o vice-presidente sempre saiu em defesa do colega da Fazenda.

Nos casos dos memes que relacionavam a figura do ministro da Fazenda a um cobrador voraz de impostos, Alckmin saiu em defesa dele argumentando que a carga tributária no país até havia caído. A dobradinha também funcionou na articulação para aprovar a reforma tributário no Congresso. Longe dos holofotes, o vice conversou com empresários, governadores e parlamentares.

Quando o tarifaço de Trump era só ameaça, os dois ministros adotaram a mesma postura de pedir cautela e defender o diálogo. Porém, à medida que as negociações avançarem, os empresários acreditam que será impossível os dois estarem do mesmo lado.

“O MDIC conhece a dor da indústria e terá que se posicionar diante da Fazenda, que só pensa na inflação”, diz um player do setor. Para o governo, no entanto, “não é bem assim”. A China, argumenta-se, é um grande parceiro comercial e não adianta “descobrir um santo para cobrir outro”. Para a equipe econômica, é preciso analisar a situação com muita cautela para evitar um “desarranjo geral”.

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