“Nós nascemos na face da Terra. Em cima da terra nós temos de viver e temos que trabalhar e comer. E botar o que comer na sua mesa, na sua mesa, na sua mesa e na mesa de cada um, sabe como é que é?”. A fala indignada de um sem-terra, depois que dez companheiros foram mortos pela polícia em uma ocupação rural no Pará, marca as cenas iniciais do documentário “Pau D’Arco“. A produção acompanhou por sete anos a trágica história de um massacre, ocorrido em 2017, no município que dá nome ao filme. Um crime até hoje impune.

Dirigido pela jornalista e documentarista Ana Aranha, “Pau D’Arco” mostra o desamparo e a impunidade que cercam os casos de mortes de sem-terra no Brasil. A chacina ocorreu na Fazenda Santa Lúcia, onde viviam 200 famílias de agricultores. A principal testemunha do massacre, Fernando, foi assassinada durante a produção do filme. Horas antes de ser morto na porta de sua casa, com um tiro na nuca, ele telefonou para Ana Aranha para dizer que deixaria a cidade devido às ameaças.

Fernando, a testemunha assassinada    (Foto: Divulgação)

No dia dos assassinatos, 24 de maio de 2017, Fernando sobreviveu porque ficou preso sob o corpo de seu namorado, um dos dez mortos. Ele conseguiu se arrastar e se esconder no mato, de onde ouviu e viu toda a ação dos criminosos.

Apesar das ameaças, do tiro pelas costas e de nada ter sido roubado, seu assassinato, em 2021, foi tratado pela Justiça como latrocínio. “A investigação simplesmente ignorou as evidências que entregamos”, disse Aranha. “O Ministério Público Estadual sequer comunicou à Justiça que a principal testemunha do caso foi assassinada”.

Outro personagem da história é o advogado ativista José Vargas Júnior, que, além de ameaças, foi vítima de denunciação caluniosa de crimes. Ele pleiteia na Justiça a indenização das vítimas pelo governo do Pará.

“Pau D’Arco” é uma produção da Repórter Brasil e Amana Cine, em coprodução com a RioFilme. Estreou em abril, no festival “É tudo verdade”. O filme foi apresentado no Festival de Cinema de Brasília, na quarta-feira, 17. Depois, seguirá para a Mostra de Cinema do Rio e será exibido na COP30, em novembro, em Belém. A produção já recebeu mais de sete prêmios nacionais.

Em Brasília, na quarta-feira, a exibição foi acompanhada pela ministra de Direitos Humanos do governo Lula, Macaé Evaristo, e pelo presidente do Incra, César Aldrighi, que anunciou que a ocupação na Fazenda Santa Lúcia, onde ocorreu o massacre, será transformada em um assentamento.

“Vamos levar esta denúncia à COP30. Queremos usar o documentário para pressionar por Justiça. E depois queremos colocar o filme numa plataforma para atingir o grande público e fazer a distribuição para cinemas”, disse Ana Aranha.