ROMA - Se dependesse dos fiéis que frequentam a Igreja de São Gregório Magno, na comunidade de Magliana, na periferia de Roma, o sucessor do papa Francisco já estaria escolhido. Seria o brasileiro dom Jaime Spengler, que é responsável pela igreja em Roma desde fevereiro, quando foi nomeado cardeal pelo papa Francisco.
Neste domingo, 4, dom Jaime celebrou a missa das 11h30 com o humor que lhe é peculiar. Não faltaram perguntas sobre quem ele acha quer será o novo papa - e, claro, se ele seria o escolhido. O cardeal, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tem participado diariamente das congregações gerais e arrumou logo uma piada para responder aos fiéis curiosos: "Será um nome tipicamente italiano: Gaio", apostou. E logo depois explicou a piada fazendo gestos com as mãos como se imitasse a ave que mimetiza a fala humana. "É que no Brasil a gente tem o papagaio", disse, sorrindo.
Para além do costume de citar as parábolas bíblicas, o cardeal é um contador de anedotas. Usa o humor para conquistar. Antes do início da celebração, fugiu de entrevistas e, passando a mão sobre a boca, como se cerrasse os lábios com um zíper, disse: "Teniamo la bocca chiusa". Em italiano, o equivalente a "mantenhamos a boca fechada".
Ao iniciar o sermão, porém, ele falou de suas impressões sobre a fase pré-conclave, em que as congregações gerais são realizadas com o objetivo de permitir que os cardeais que vão votar e podem ser votados possam se conhecer melhor. Ele se disse "maravilhado" com a diversidade de pensamento presente nessas reuniões. Se desculpando pelo italiano, ainda meio aportuguesado, disse que o que tem visto é a "diversidade aliada à bondade cristã".
No seu italiano, prosseguiu: "Quero fazer um agradecimento especial à comunidade paroquial por ter paciência com alguém que não domina a língua italiana. Espero que me faça entender. Viemos a Roma há duas semanas praticamente por causa da morte do Santo Padre. Hoje em dia, existe um segredo. Hoje em dia, todos os dias, temos grandes pessoas no Vaticano para nos conhecer e ouvir uns aos outros. Há mais ou menos 180 bispos e cardeais que falam. É uma coisa linda a diversidade aliada à bondade cristã", observou.
Ele se referia às reuniões diárias com do Colégio de Cardeais, nas quais vários temas são tratados. O colégio reúne 252 religiosos, dos quais 133 votarão e poderão ser votados no conclave que começa nesta quarta-feira, 7.
Dom Jaime Spengler citou países e continentes de cardinais que o tem impressionado nesta fase pré-conclave. "Poder ouvir um cardeal da Ásia, como de Mianmar, da África, da Terra Santa, até mesmo daqui (da Itália) e de outra realidade completamente diferente como dos Estados Unidos da América, é um tesouro muito precioso", disse o cardeal aos fiéis. Ao final da missa, dom Jaime disse acreditar que a escolha do novo papa não segue critérios meramente políticos e aponta a dimensão divina. "Não se trata de uma eleição meramente política."
Surpresa
O cardeal chegou à igreja no momento em que estava terminando a missa das crianças, na qual várias delas estavam fazendo a primeira comunhão. Ele quis fazer uma surpresa. Saiu da sacristia com o dedo indicador encostado na boca, pedindo segredo sobre sua presença. Esperou ao lado, meio escondido em uma capela de orações. Até ser anunciado, várias pessoas, muitas idosas, se levantaram e foram até a pequena porta lateral para cumprimentá-lo. Ele atendeu com um beijo na mão. O cardeal foi anunciado justamente na hora dos parabéns para as crianças que fazem aniversário na semana. Ao final da missa, pouco antes do início daquela que ele próprio celebraria, subiu ao altar sob aplausos.
Algumas crianças perguntaram se era o novo papa. "Calma, o novo papa ainda está chegando", respondia, bem humorado, passando de cabeça em cabeça o seu solidéu vermelho e posando para fotografias. Ele deu um conselho aos pequenos: "Em primeiro lugar, estudar. Em segundo, estudar. Em terceiro, estudar". Simpático e observador, o cardeal ainda fez piada com o salto fino de uma mulher que o cumprimentou. Apontando para os sapatos dela, disse: "Isso é uma arma".
"Gente normal"
A missa celebrada por dom Jaime teve um ar mais solene que a das crianças. Os momentos de descontração foram provocados pelo próprio cardeal ao falar dos padres que o acompanham pelos caminhos de Roma. "Eles não são bons motoristas, mas sobrevivemos", brincou. Ao final da missa, o cardeal saiu em procissão com os demais celebrantes e ficou na porta da igreja cumprimentando a todos e ungindo a testa dos fiéis com o sinal da cruz.
Durante a cerimônia, ele também quebrou o protocolo para confessar ter tido dúvidas de que conseguiria desenvolver um trabalho no bairro periférico de Roma, ainda improvisando no italiano. A igreja foi dada a ele quando ascendeu ao posto de cardeal. Antes, o responsável era o também brasileiro dom Geraldo Agnelo, morto em 2023, que foi arcebispo de Salvador e primaz do Brasil. "Quando cheguei aqui, pensei: Como será que vai ser? Como será essa comunidade? Só Deus sabe."
O bairro é marcado por abrigar a chamada Banda della Magliana, um organização criminosa italiana, particularmente ativa ao longo dos anos 1970 até início dos anos 1990, com laços estreitos com a máfia e a extrema direita. "Encontrei uma comunidade normal, de pessoas capazes, que vivem aqui, que trabalham aqui. Em suma, ela existe em Roma. Obrigado e mais uma vez peço desculpas pelo italiano. O idioma não é tão fácil para mim", disse.
Enquanto ainda cumprimentava os fiéis na porta da igreja, o cardeal identificou uma mulher que disse ser filipina. E brincou com ela: “Então está torcendo pelo Tagle, né?”. “Ele é uma pessoa excepcional”, emendou, referindo-se ao cardeal Luis Antonio Tagle, antes de dar a benção à mulher.