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A perda de autoridade do Supremo Tribunal Federal

Muito se fala sobre os superpoderes do Supremo Tribunal Federal. Análises sobre ativismo judicial, judicialização da política e protagonismo do tribunal dominaram o debate público nos últimos anos.

No entanto, esta imagem de um tribunal superpoderoso contrasta com eventos ocorridos nos últimos tempos. Ao que tudo indica, estamos diante de um processo contínuo de perda de autoridade do tribunal.

O que se tem visto é um tribunal fragilizado, com dificuldade de tomar decisões e de ter suas decisões respeitadas. Ainda que seja comum ao sistema de freios e contrapesos que eventuais posições de cortes constitucionais sejam questionadas e confrontadas, o fenômeno aqui parece ser distinto. Os sinais de fraqueza podem ser percebidos desde há algum tempo e têm se acumulado. Alguns momentos são sintomáticos da perda de autoridade do tribunal.

Na Lava Jato, o tribunal surfou uma agenda de moralização da política e se tornou refém de decisões excepcionais. Não foram raros os embates entre monocráticas, ministro contra ministro, ampliando o desgaste do tribunal. Voltar atrás e impor limites e controles à Lava Jato, após anos corroborando suas ilegalidades, foi uma tarefa custosa. Entre ameaças de generais e pressão da opinião pública, o tribunal levou anos para rever suas más decisões. Foi inclusive em um caso da Lava Jato, que julgava a competência para julgamento de crimes comuns conexos aos eleitorais, que o tribunal abriu o inquérito das fake news, diante de ataques de então membros da operação vinculados ao MPF. Iniciava, ali, uma frente de autodefesa do tribunal.

Ainda que Bolsonaro tenha atribuído ao STF a culpa por não poder governar, o tribunal foi bastante contido em suas decisões. Com exceção à frente de autodefesa e controle da pandemia, o Supremo não foi capaz de conter o ímpeto destruidor do governo no que se refere às políticas ambientais, indígenas, de gênero, controle de armas e educacionais. A contenção do tribunal, diante de destruição, foi um atestado de sua fragilidade.

Atacar o tribunal foi parte do projeto de Bolsonaro, que queria se ver livre de qualquer controle para implementar seu projeto autoritário de poder. Os ataques começaram no discurso e terminaram na depredação do edifício sede do tribunal. A reação do tribunal se deu no âmbito da frente de autodefesa e nas ações penais do 8 de janeiro, conduzidos por Moraes.

Mesmo diante da concretização dos ataques, setores foram convencidos pelo discurso bolsonarista, creditando a Moraes uma difusa crítica sobre abusos. No limite, valem-se disso para defender abertamente o descumprimento de decisões emitidas pelo tribunal, o máximo exemplo de um tribunal fraco. O episódio mais notório se deu com Elon Musk, que usou sua ampla rede de comunicação para confrontar decisões de Moraes e do tribunal. No final, o STF impôs sua decisão, mas a pretensão aberta e explícita de descumprimento das decisões do tribunal não deixa de ser um sinal de sua fragilidade.

O Congresso Nacional pareceu sentir o cheiro de medo e desencadeou a tramitação de uma série de projetos que contestam diretamente decisões do tribunal – com destaque para a afrontosa votação de lei do marco temporal pelo Senado no mesmo dia em que o STF o declarou inconstitucional - ou procuram esvaziar suas competências, como propostas que permitem ao legislativo sustar decisões do tribunal ou que ampliam as hipóteses de impeachment de seus ministros.

Vendo em perspectiva, foram e são múltiplas as causas do enfraquecimento do tribunal, assim como são distintas as formas pelas quais o tribunal reagiu. Por vezes, é importante que se reconheça, o enfraquecimento do tribunal se aprofundou por ação dos seus próprios ministros.

Diante da incapacidade de impor suas decisões, a estratégia adotada pelo Supremo parece ser a negociação. Sob o argumento de “modernização” na resolução de conflitos através de conciliação, o tribunal tem negociado o alcance e a força de suas decisões. Fez isso, por exemplo, ao avalizar as emendas parlamentares, não obstante sua disfuncionalidade constitucional, e ao impor interesses indígenas à lógica majoritária em conciliação sobre a já declarada inconstitucional tese do marco temporal.

E, quando o negociado é descumprido, se torna ainda mais difícil ao tribunal impor suas decisões. Do outro lado do balcão, a chantagem só aumenta. Recentemente, diante do descumprimento do acordo com STF sobre orçamento secreto, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados fez avançar proposta de emenda à Constituição que limita poderes do tribunal e dão ao Congresso, definitivamente, o poder de sustar decisões do Supremo.

O tribunal parece buscar sobrevivência renunciando à sua função. Quando o tribunal negocia a constitucionalidade pela incapacidade de impor sua decisão e concede àqueles que violam a Constituição o poder de barganha, o cenário de torna gravíssimo. Afinal, para além da perda da autoridade do tribunal, promove-se a erosão de autoridade da Constituição.

Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

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