Três pontos percentuais de alta nos juros em três meses e um retrocesso de oito anos na trajetória da Selic, taxa referência para a economia. Esse pode ser um custo adicional para o Brasil pela total desarticulação política e econômica do governo neste final de ano. A alta de um ponto percentual nos juros, anunciada pelo Banco Central na noite desta quarta-feira, 11, foi o primeiro alerta. A Selic subiu para 12,25% ao ano. Mas os diretores do Banco Central foram além e, numa decisão inusitada, anunciaram que poderão repetir a dose nas reuniões de janeiro e de março de 2025.
Se isso acontecer, os juros chegarão a 14,25%, o mesmo patamar de agosto de 2016. Naquela época, a presidente Dilma Rousseff enfrentou o processo de impeachment em meio a acusações de manipulação de contas públicas (as chamadas pedaladas fiscais), o vice-presidente Michel Temer assumiu com uma agenda de reformas fiscais para tentar reverter a crise de confiança na economia, o país viveu desdobramentos das investigações de corrupção da Lava Jato e os partidos políticos enfrentaram crises internas diante da polarização e da insatisfação popular.
Neste ano, alguns elementos se repetem. Vivendo um conflito interno diante da dificuldade de reverter o antipetismo que se instalou em parte da população, em especial na classe média do Sul-Sudeste do país, conforme mostram pesquisas de opinião, o PT, partido do presidente Lula, foi um dos roteiristas da novela do pacote fiscal. Tendo à frente personagens como sua presidente, Gleisi Hoffman e os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Luiz Marinho (Trabalho), a legenda atacou as sugestões dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) para segurar o crescimento do gasto público, que incluíam mudanças em benefícios sociais para reforçar o compromisso do governo com equilíbrio das contas públicas.
O resultado foi um pacote desidratado e uma estratégia desastrosa de anúncio daquilo que era para ser um conjunto de medidas de contenção de despesas, mas que juntou também mais gastos com isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos, combinada com maior tributação dos ricos.
O erro da largada vem se desdobrando em novos capítulos há 15 dias. E entre a expectativa da equipe econômica de Lula e a realidade, além do PT entraram o Centrão, a bancada da bala com projeto que facilita acesso a arma de fogo e redução da taxação na reforma tributária, o STF (Supremo Tribunal Federal) e alguns bilhões de reais em emendas parlamentares. Os planos estão se desenrolando na contramão do que previa a equipe econômica, e o ministro Fernando Haddad (Fazenda), que faz aniversário em janeiro, parece ter ganhado um mês extra no seu período de inferno astral.
Mesmo assim, ele mantém a confiança. “Está havendo reunião da equipe técnica com os relatores designados e as coisas estão andando bem”, disse na noite desta quarta. “As pessoas estão compreendendo a necessidade de ajustar redação para evitar judicialização, evitar que o programa não atenda seus objetivos. Está indo bem a conversa com parlamentes”. Segundo Haddad, são possíveis mudanças nos textos enviados. “Estamos tirando dúvidas. Se precisar melhorar a redação, vamos melhorar. Mas o objetivo é cumprir as metas estabelecidas na divulgação e estamos confiantes que vamos conseguir aqueles valores”, complementou.
O governo corre contra o tempo. Há apenas uma semana para aprovar o pacote fiscal na Câmara e no Senado. Caso contrário, só depois de fevereiro, quando tomam posses os novos presidentes das duas casas, o que, na prática, significa novas negociações e barganhas políticas e econômicas.
Reflexos dos juros altos
Diante de tudo isso, sobrou para o Banco Central e, de quebra, para a população e o setor produtivo, que pagarão mais nos empréstimos e financiamentos para compra da casa própria e na aquisição de equipamentos para expansão de parques produtivos ou para capital de giro. A reação dos diretores do BC à volatilidade financeira e econômica que tomou conta do país nas últimas semanas (quando o dólar chegou a R$ 6,12, comprometendo uma inflação já acima do teto da meta) foi maior do que as previsões dos analistas pela magnitude da alta e pela sinalização de repetir a dose nas reuniões previstas para 29 de janeiro e 19 de março de 2025.
No comunicado, o BC deixa claro que a reação de analistas, economistas e investidores ao pacote fiscal afetou preços como o da taxa de câmbio e, também, as expectativas em relação aos próximos anos. Os diretores destacam que há “desancoragem adicional das expectativas de inflação, elevação das projeções de inflação, dinamismo acima do esperado na atividade e maior abertura do hiato do produto, o que exige uma política monetária ainda mais contracionista”.
Com isso, o comitê que decide o rumo dos juros no país entendeu, por unanimidade, que a alta para 12,25% ao ano pode não ser suficiente para acomodar tanta volatilidade e fazer a inflação convergir para a meta. “Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”. Com isso, ele espera retomar o gerenciamento das expectativas e a credibilidade no controle da inflação. É que sem apoio da política fiscal, reduzindo os gastos públicos, sobra apenas a política monetária como instrumento de convergência dos preços e calibragem da taxa de crescimento da economia.
Ironicamente, conforme destacou o PlatôBR, essa reunião do Copom entra para a história. Comandada por Roberto Campos Neto, desafeto do presidente Lula, ela promete aliviar a tensão financeira gerada pelo próprio Lula. E, de quebra, ainda sinaliza de antemão, para quem tinha dúvidas sobre o comportamento de Gabriel Galípolo na presidência da autoridade monetária, que o aperto pode continuar já na largada da sua gestão. A dúvida, agora, é se em algum momento haverá crítica, ou não, do presidente à decisão. O setor produtivo já reclamou. Em nota, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) afirmou que a alta nos juros é “incompreensível e totalmente injustificada” e que foi “um erro do Banco Central”, que deverá se traduzir em menos investimentos, empregos e renda no país.