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Pix: mentiras, verdades e a quem serve o controle das transações

O sistema de pagamentos instantâneos conhecido como Pix, desenvolvido e implementado pelo Banco Central do Brasil, tem sido amplamente celebrado como uma revolução no mercado financeiro brasileiro. Desde o seu lançamento, em novembro de 2020, o Pix tem transformado a maneira como as transações financeiras são realizadas, promovendo transferências rápidas, seguras e gratuitas para pessoas físicas. No entanto, as recentes polêmicas envolvendo o aumento no monitoramento das transações pela Receita Federal trouxeram à tona discussões sobre os impactos desse sistema em diferentes grupos socioeconômicos.

Para a população de baixa renda, o Pix representa um marco na inclusão financeira. Com a eliminação de tarifas bancárias para transferências entre contas, o sistema possibilita que trabalhadores informais, pequenos empreendedores e indivíduos sem acesso a serviços bancários tradicionais realizem transações de forma simples e acessível. Antes do Pix, muitos brasileiros enfrentavam dificuldades para abrir contas bancárias ou realizar transações devido aos altos custos e à burocracia envolvida. O Pix, nesse sentido, democratizou o acesso ao sistema financeiro, permitindo que mais pessoas utilizassem serviços digitais sem muitas dificuldades. O sistema também ajudou a reduzir a dependência do dinheiro em espécie, aumentando a segurança pessoal ao diminuir os riscos de roubos, por exemplo.

Por outro lado, o impacto do Pix nos estratos sociais mais elevados apresentou diferenças notáveis. Para essa parcela da população, o Pix surgiu como uma alternativa mais eficiente aos serviços tradicionais de transferência, como TED e DOC, que envolviam custos mais altos. Ainda assim, a população de alta renda geralmente possui maior acesso a cartões de crédito e serviços financeiros sofisticados, o que faz com que o efeito do Pix sobre seus hábitos financeiros seja menos “transformador” em comparação às populações de baixa renda. Ainda assim, o uso da ferramenta se mostra vantajoso para aqueles que valorizam a rapidez e a simplicidade em transações do dia a dia.

Recentemente, a discussão sobre o monitoramento de transações via Pix trouxe à tona preocupações sobre o sigilo bancário e a privacidade financeira. Uma instrução normativa da Receita Federal que previa a amplificação do monitoramento de transações financeiras, incluindo as realizadas por meio do Pix, foi alvo de críticas generalizadas. Entre as principais preocupações, destacam-se os possíveis impactos para a parcela mais pobre da população. Indivíduos de baixa renda que realizam transações informais ou de pequeno valor poderiam ser desproporcionalmente afetados por um sistema de monitoramento mais rigoroso. O temor da fiscalização excessiva (além das falsas notícias sobre a possível taxação) chegou, inclusive, a desencorajar o uso do Pix entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025. Segundo estatísticas do Banco Central (BC), de 1º a 14 de janeiro, o BC registrou mais de 2,29 bilhões de transações, com movimentação de cerca de R$ 920 bilhões, uma queda de 15,3% em relação ao mesmo período de dezembro, quando foram feitas 2,7 bilhões de transações, que movimentaram cerca de R$ 1,12 trilhão.

Existem indícios de que essas campanhas de desinformação são deliberadamente disseminadas por grupos com interesses bem definidos, especialmente entre os estratos mais altos da sociedade brasileira. Esses grupos possuem maior capacidade de sonegação fiscal e acesso a meios que os permitem minimizar a exposição ao sistema tributário. Ao suscitarem a ideia de que a taxação ou o monitoramento do Pix constitui uma forma de arrecadação arbitrária ou uma invasão da privacidade, essas narrativas conseguem mobilizar uma ampla base de apoio que, mesmo que não necessariamente tenham a intenção de defender práticas de elisão fiscal, legitimando interesses das elites econômicas. Esse fenômeno ajuda a perceber o papel das fake news como instrumento político e ideológico que reforça desigualdades estruturais e mina o avanço da justiça social.

Também é importante perceber como essas estratégias de desinformação se conectam a um cenário global de crescente desconfiança em instituições públicas e governamentais. O uso das redes sociais para amplificar mensagens falsas ou enganosas permite que grupos com interesses específicos alcancem milhões de pessoas em questão de minutos, dificultando a resposta imediata das instituições para conter os danos. No caso do Pix, os efeitos negativos dessas campanhas sobre a adesão ao sistema podem ser medidos não apenas em termos econômicos, como já observamos, mas também no retrocesso das conquistas em inclusão financeira.

Portanto, a análise das narrativas em torno do Pix nos oferece um microcosmo para compreender os desafios contemporâneos enfrentados pelos gestores de políticas públicas que buscam promover a equidade. Ela nos leva a questionar: a quem realmente interessa a manutenção da desigualdade por meio da desinformação? E como as instituições podem responder de forma mais eficaz tanto no combate às fake news quanto no fortalecimento da confiança pública em iniciativas que, como o Pix, têm o potencial de impactar positivamente a sociedade?

Essas são questões urgentes que exigem reflexão e ação coordenada entre governo, sociedade civil e agentes de comunicação para garantir que a inovação tecnológica continue a servir como ferramenta de emancipação, e não de exclusão.

Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper

"Os artigos publicados nesta seção não refletem, necessariamente, a opinião do PlatôBR."

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