A senadora Dorinha Seabra foi relatora da proposta de emenda à Constituição que criou o chamado Novo Fundeb, com novas regras para o fundo destinado ao financiamento da educação básica no país. Conhecida como Professora Dorinha graças ao ofício que exercia antes de ingressar na política, a parlamentar do União Brasil do Tocantins se diz preocupada com a ideia de frear a destinação de recursos para o fundo, ventilada nos bastidores como parte das medidas alternativas ao aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Em entrevista ao PlatôBR, a senadora lamentou que a proposta esteja sendo cogitada pelo Ministério da Fazenda, comandado pelo ministro Fernando Haddad. Para ela, trata-se de um “tiro no pé”. Dorinha Seabra questiona o argumento segundo o qual é possível reduzir os repasses para o Fundeb porque o fundo se “agigantou” nos últimos anos. “Nós temos uma rede sucateada, ainda sem saneamento, sem equipamento, sem biblioteca. Falta dinheiro para o básico. Há professores sem salários dignos. E aí (dizem que) agigantou? Onde está esse dinheiro, então?”, questiona. Confira a seguir.
Como a senhora encara a proposta de frear os repasses da União para o Fundeb, medida que o Ministério da Fazenda cogita apresentar como parte do pacote alternativo ao aumento do IOF?
Eu acho absurda essa proposta, não vejo condição para ocorrer. Na verdade, eu lamento porque até hoje não conseguiram entender qual é a posição estratégica que a educação representa no desenvolvimento tanto do Brasil, como de qualquer país. Em qualquer situação, eles (integrantes do governo) entendem que tem que tirar da educação. Isso em um país com tantos analfabetos, que tem resultados ainda ruins de qualidade da educação e de garantia de aprendizado. Além disso, o investimento per capita é muito baixo no Brasil, comparado com outros países. Se a gente olhar qual é o peso salarial do professor nos estados e municípios, é muito baixo. E ainda há municípios não conseguem nem pagar. Então é uma coisa lamentável o governo pensar em uma proposta dessas. Em todas as situações, a educação aparece como alguma coisa que pode ser tirada. É como se o governo não entendesse o quão estratégico é esse investimento.
Deputados que aceitam o freio nos investimentos alegam que esse é um “mal menor”, e que pior seria a desvinculação dos pisos constitucionais da educação e da saúde. Como a senhora recebe esse argumento?
Nós, da Comissão de Educação, fizemos uma missão à Finlândia, que tinha bons resultados em educação, e percebemos se tratar de outro tipo de sociedade. Uma coisa que nos chamou a atenção: é que há os programas e ações do Ministério da Educação da Finlândia, em que o orçamento é independente de questão de grupo político que assumia o país. Não se mexia. E olha que lá não tem definido o mínimo constitucional. Mesmo assim, ninguém tirava.
O que a senhora acha do fato de essa proposta partir justamente do Ministério da Fazenda, hoje comandado pelo ministro Fernando Haddad, que foi ministro da Educação?
Eu acho estranho, sim. Acho estranho e lamento, porque ele foi ministro da Educação e foi um bom ministro, apesar de não ser da área, especificamente. Fernando Haddad conhece de perto o tamanho da desigualdade que nós temos, a fragilidade ainda nas redes de ensino. Talvez seja cômodo propor uma medida dessas porque não tem diretamente impacto na rede do governo federal, mas tem um impacto muito forte nos estados e municípios. Me parece muito cômodo imaginar tirar o dinheiro dos estados e municípios. A educação básica está sendo operada pelos municípios, a parte mais frágil dessa equação federativa.
E como a senhora enxerga a crítica de que o Fundeb se agigantou e ficou pouco eficiente, uma justificativa que vem sendo apresentada nos bastidores por parlamentares que ensaiam a defesa da medida.
Acho que o Ministério não tem dados que comprovem isso. O Novo Fundeb está em processo de implementação. Ele não se agigantou. O Fundeb foi feito com um compromisso para que seja cumprido. O então ministro da economia do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, queria dar voucher para as escolas privadas e a gente conseguiu assegurar esse recurso, que existia: ao invés de voucher, que fosse direcionado para a educação infantil. Porque a cobertura nossa ainda é muito baixa na faixa da primeira infância. E não sou eu que estou dizendo isso, são pesquisadores da neurociência. Eu acho que esse argumento é ilógico, dá até a impressão de que dobramos o investimento per capita, o que não é verdade. Nós gastamos muito mais com presos do que com alunos. Nós temos uma rede sucateada, ainda sem saneamento, sem equipamento, sem biblioteca. Falta dinheiro para o básico. Há professores sem salários dignos. E aí agigantou? Onde está esse dinheiro, então?
Acredita que essa medida tem condição de ser aprovada no Congresso?
Não acredito, e acho que o país não daria esse tiro no pé. Se o ministro fez uma mudança no IOF, ele devia ter discutido antes.