Situados em polos ideológicos opostos, Flávio Dino e André Mendonça caminham por vias paralelas no campo religioso por compartilharem a fé no Cristianismo. Neste ano, ambos resolveram dar mais publicidade às crenças pessoais - dentro e fora do STF.
Em março, Mendonça inaugurou uma conta no Instagram onde posta mensagens prioritariamente religiosas. Como revelou a coluna, o ministro voltou a atuar como pastor da Igreja Presbiteriana. Próximo de Jair e Michelle Bolsonaro, Mendonça foi advogado-geral da União e ministro da Justiça na gestão do ex-presidente, que o escolheu para ocupar uma cadeira no STF em 2021.
Em um momento político delicado para Bolsonaro, Mendonça assume protagonismo maior com os evangélicos, base eleitoral cara ao ex-presidente - que indicou o amigo para o Supremo em cumprimento à promessa pública de indicar para a mais alta corte do país alguém "terrivelmente evangélico".
Dino também tem uma conta no Instagram, aberta bem antes de ser indicado pelo presidente Lula a uma vaga no Supremo, em fevereiro de 2024. Os temas religiosos estão entre os preferidos das postagens. Católico, publicou uma foto na semana passada cumprimentando o Papa Francisco.
Antes de ser nomeado para o Supremo, Dino foi ministro da Justiça do governo Lula. O presidente não elogiou publicamente a fé de Dino. Quando o Senado aprovou o nome de seu escolhido, o petista comemorou a chegada de um "ministro comunista" ao STF. Nos anos dedicados à política, Dino foi filiado ao PCdoB e, depois, ao PSB.
Ultimamente, Dino tem aumentado a quantidade de citações bíblicas nos julgamentos do STF. O auge da prática foi observado na terça-feira, 22, quando a Primeira Turma do tribunal abriu ação penal contra o segundo núcleo de acusados de tramarem um golpe de Estado.
As menções ao texto sagrado foram tantas, que renderam piada de Alexandre de Moraes, relator do processo. "Vossa excelência é candidato a Papa. Eu percebo uma certa…" disse o colega, deixando o raciocínio incompleto.
Antes do comentário de Moraes, Dino tinha afirmado: "E, apenas para não deixar a Bíblia de fora, quem empresta dinheiro a juros comete um pecado, segundo o antigo testamento".
Na mesma sessão, Dino usou referência bíblica para defender a legalidade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, atacada por advogados dos acusados em plenário. "Quando lançamos mão de um novo instituto legal, é como a caminhada do povo de Deus saindo do Egito rumo à terra prometida. É claro que há desvios. Há quem se encante pelo bezerro de ouro, há quem se mantenha fiel aos dez mandamentos", afirmou.
O ministro também lembrou o Gênesis, primeiro livro da Bíblia, para falar dos papéis de juízes, acusados, e do Ministério Público em processos judiciais.
"Houve muitas alusões bíblicas de altíssima qualidade na tribuna e, ouvindo agora o ministro Alexandre de Moraes, lembrei de outra: as primeiras páginas do Gênesis, sobre a criação do mundo. Deus separa a terra e a água e, de fato, se os julgadores estão na terra e as partes estão na água, o Ministério Público é uma península, ou seja, está ali na transição. Isso porque o Ministério Público não julga, ele propõe uma tese", afirmou.
"Não há condições para dizer que, ao propor uma tese no tribunal, rompeu essa neutralidade técnico-científica, exatamente pela condição de zona de transição entre terra e água", completou.
Dino tinha o hábito de fazer citações bíblicas antes de chegar ao Supremo. Em maio e 2023, quando era ministro da Justiça, comentou na rede social X a cassação do deputado federal e ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol. "Sobre o julgamento realizado hoje no TSE, lembrei-me de um texto bíblico, que dedico ao presidente Lula. 'Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!' Está em Mateus 5,6.", publicou.
Pouco antes de ser aprovado pelo Senado para o Supremo, Dino passou a ser atacado por aliados e seguidores do ex-presidente, que consideravam a posição política do ministro uma afronta aos valores cristãos. Em dezembro de 2023, Michelle Bolsonaro lamentou a indicação de Dino a uma vaga no Supremo, porque ele seria "extremamente comunista".
"Se ele é comunista, ele é contra os valores e princípios cristãos. Não existe comunista cristão, isso é de contramão (sic) com a palavra de Deus. A gente não pode aceitar esse tipo de gente no poder. Já imaginou se esse homem chegar ao STF, o que vai acontecer com a gente?", afirmou Michelle em um evento do PL Mulher.
Dino usou a sabatina no Senado para responder os ataques e tentar minimizar a resistência da bancada evangélica a seu nome. Em dois momentos, fez referências bíblicas.
Bem-humorado, corrigiu o senador Esperidião Amin, que citava um dos dez mandamentos. "Amai a todos. É o primeiro mandamento. Amai o próximo como a ti mesmo. E quem é o próximo é uma outra questão para discutir", disse Amin. Dino interveio: "É o segundo mandamento. O primeiro é 'amar a Deus sobre todas as coisas'".
Em outro momento, ao ser questionado pelo senador Magno Malta sobre suas convicções religiosas, Dino afirmou: “Existe uma passagem na Carta de Tiago que a fé sem obras é morta. Então, mais do que falar de convicções, eu as lastreio em obras práticas. Trinta e quatro anos de serviço público não são palavras ao vento”, respondeu Dino.
“Eu tenho três passagens muito importantes que eu vou apenas mencionar e pedir que o senhor leia: Êxodo 16, sobre o maná que cai do céu; Mateus 25, sobre os pequeninos; e Atos dos Apóstolos 4. Essas são passagens, assim, que iluminam, com toda a certeza, aquilo que eu sou, aquilo que eu sempre fui, aquilo que eu serei”, concluiu.
Hoje, Mendonça é o principal interlocutor de Bolsonaro no Supremo. Dino é um dos principais elos de Lula com o tribunal. Ao mesmo tempo que o ex-presidente encontra dificuldade para sobreviver na política, vale lembrar que Lula não está em um bom momento perante os eleitores, especialmente os que se identificam com a Igreja Católica.
Em fevereiro, o Datafolha apontou que avaliação positiva do governo Lula entre católicos havia caído em 14 pontos percentuais: era de 42% em dezembro de 2024 e foi para 28%.