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Omissão no pacote fiscal: pescadores-fantasmas são ignorados nos cortes

O Seguro Defeso, um benefício destinado a auxiliar pescadores artesanais durante o período em que a pesca é proibida para garantir a reprodução das espécies, enfrenta um paradoxo: deveria garantir sustentabilidade econômica e preservação ambiental, mas sofre há anos com fraudes e ineficiências. A decisão de não incluí-lo no pacote fiscal de Fernando Haddad (PT) evidencia a incapacidade do Ministério do Planejamento, sob comando de Simone Tebet (MDB), de reformar políticas disfuncionais mesmo em um cenário de restrição fiscal.

Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento em junho deste ano, Tebet mencionou graves problemas com o programa. “Fui prefeita da minha cidade, uma cidade ribeirinha, onde há uma colônia de pescadores. (...) Eles precisam do seguro-defeso porque senão eles vão pescar e impactar o meio ambiente ou vão morrer de fome. Nenhuma das duas coisas pode acontecer”, disse a ministra. “Ocorre que a informação que nós tivemos, e a estamos apurando, é que existem na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 250 mil cadastros de pescadores artesanais, e o benefício está sendo concedido a 800 mil pessoas. Ou estamos pagando a pessoas que não precisam, ou o cadastro está desatualizado."

A pressão política de prefeitos, especialmente no Pará, é uma das raízes do problema. A inclusão de pessoas não pescadoras ou com a pesca como atividade secundária no cadastro de beneficiários, muitas vezes intermediada por cooperativas e sindicatos com mecanismos de filiação pouco transparentes, inflaciona artificialmente o número de beneficiários e provoca desvios de recursos. A Operação Fair Fishing, feita pela Polícia Federal no Ceará, por exemplo, revelou um prejuízo anual de R$ 115 mil em apenas um município.

Em 2010, o estudo "Seguro Defeso: Diagnóstico dos Problemas Enfrentados pelo Programa", dos pesquisadores André Campos e José Chaves, publicado pelo Ipea, já apontava um sobrecusto de R$ 638,4 milhões. Corrigido pela inflação, esse valor seria equivalente a cerca de R$ 1,47 bilhão.

Não foi só na fala da ministra que o governo expressou saber muito bem desse problema. Na mensagem do Ministério do Planejamento para a Lei Orçamentária de 2025, o governo prometeu “aperfeiçoar” o Seguro Defeso. A intenção de revisão de gastos, uma “tarefa diária”, segundo tuíte recente de Tebet, não se concretiza quando esbarra em interesses políticos mesmo de pequeno porte.

Evitar a revisão de um programa disfuncional e caro é irresponsável em um contexto de corte de gastos. A ausência do Seguro Defeso no pacote de Fernando Haddad mostra um governo frágil, amedrontado até por pescadores-fantasmas.

Sérgio Praça é professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC). Doutor em Ciência Política pela USP, é autor de “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”

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