PODER E POLÍTICA. SUA PLATAFORMA. DIRETO DO PLANALTO

Governo cochilou e não percebeu risco de desgaste; oposição falou com a população

Um dos pilares da gestão atual, o combate à sonegação, foi o fio condutor da narrativa oficial para explicar mudanças no Pix de forma geral. A oposição soube fazer barulho dirigindo-se diretamente ao público-alvo

Lula e Fernando Haddad
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A falta de estratégia na comunicação institucional do governo esbarrou em rivais políticos conectados com as pessoas-chaves, e na hora certa. A polêmica em torno do Pix é um exemplo. Enquanto a Receita Federal focou na fiscalização e no combate à sonegação, um dos pilares da gestão de Fernando Haddad (Fazenda) para aumentar as receitas, e esqueceu de calcular que a medida tocaria num ponto sensível para população (tributação), a oposição falou e tocou o terror entre o público-alvo da medida.

De acordo com as estatísticas do Banco Central, quase 80% das pessoas que usam o Pix têm entre 20 e 49 anos. É um público que tem interesse natural em qualquer notícia que mexa com esse instrumento de pagamento. Essa faixa etária corresponde a mais de 40% da população brasileira e se cruzarmos esse dado com os usuários de redes sociais, veremos que no Instagram, por exemplo, 77% dos perfis são de pessoas entre 18 e 44 anos, segundo pesquisa feita pela We are Social e Meltwater.

O Instagram foi uma das redes onde o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) se consolidou como um influenciador contra a medida do governo, conforme mostrou o PlatôBR.

Pelo levantamento da agência de marketing digital AtivaWeb, somando Instagram e Facebook, plataformas controladas pela Meta de Mark Zuckerberg, a faixa etária entre 18 e 44 anos chega a quase 90% dos perfis. Na prática, significa que Pix é um tema com alta aderência e potencial de engajamento nessas duas redes.

Nas últimas semanas, enquanto esse público recebia o vídeo do deputado e os conteúdos dele derivados, muitos com informações falsas, diretamente nos seus perfis pessoais, a Fazenda tentava desmentir a informação de que o Pix seria taxado sem saber se estava alcançando as pessoas certas, na hora certa.

A suspensão da medida, anunciada pelo governo na última quarta-feira, 15, foi uma tentativa de acabar com o ruído e, sobretudo, com as consequências dele: uma sucessão de golpes e fraudes que ganharam espaço entre os consumidores e varejistas. O desgaste, no entanto, está dado. E o debate em torno do tema, longe de acabar.

O presidente Lula editou medida provisória para reforçar que não haverá tributação do Pix e, ao mesmo tempo, levou a discussão para o terreno político. O texto da MP deixa claro que as transações terão o mesmo tratamento que aquelas em dinheiro e não poderão ser tributadas, como já ocorre hoje. Se for aprovada pelo Congresso Nacional, essa regra terá força de lei. Além disso, a medida provisória veda a cobrança de taxa por parte dos varejistas para quem usa o Pix como forma de pagamento.

"Constitui prática abusiva, para os efeitos do art. 39 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a exigência, pelo fornecedor de produtos ou serviços, em estabelecimentos físicos ou virtuais, de preço superior, valor ou encargo adicional em razão da realização de pagamentos por meio de Pix à vista", prevê o texto, assinado por Lula e Haddad.

Nesta quinta-feira, 16, o sentimento geral no prédio da Fazenda era um misto de raiva e vontade de revanche. O governo decidiu levar o tema para Justiça e acionou a Polícia Federal para investigar o que o ministro Haddad e o advogado-geral da União, Jorge Messias, consideraram como crime contra economia popular. O governo espera novos episódios da novela com a “devida punição dos culpados”. A tese jurídica é a de que mentiras amplamente divulgadas, compartilhadas e impulsionadas pela oposição geraram crimes contra consumidores.

“Falta fazer o mea culpa, digerir o desgaste e aprender com os erros”, diz um interlocutor do governo. A avaliação é que a Fazenda errou e que o órgão precisa ter mais “cuidado” e “profissionalismo” com a comunicação institucional. Mesmo com a edição da MP que tenta enterrar a desinformação, o tema ainda poderá ser explorado politicamente e o recuo, apresentado como uma mudança após atuação da oposição.

Nesta quinta-feira, 16, o ministro Haddad foi novamente exposto em posts nas redes sociais. Desta vez, um perfil divulgava o CPF dele e estimulava as pessoas a registrarem as notas fiscais nesse CPF, sob a justificativa de que o ministro "vai ter que explicar para a Receita como que ganha 40k e gasta 100k", numa alusão ao que seriam o salário de Haddad e suas despesas.

No entanto, segundo técnicos, o registro do CPF na nota fiscal não é, para a Receita Federal, uma comprovação de quem pagou pela compra - em algumas unidades da federação, por sinal, até gera créditos de ICMS para a pessoa. De todo modo, o governo pediu à Polícia Federal para investigar o uso indevido do CPF do ministro.

search-icon-modal