Até o final da semana passada, a relação entre o governo e o Congresso seguia tensa em torno das negociações sobre uma proposta alternativa ao decreto que aumentou o IOF (Imposto sobre Operações Financeira). O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a dar um prazo de 10 dias para o ministro Fernando Haddad (Fazenda) encontrar uma solução para o problema. De lá para cá, as conversas avançaram e, nesta terça-feira, 3, uma reunião no Palácio da Alvorada encaminhou um acordo sobre um pacote de medidas que substituam a elevação do IOF.
Do encontro participaram Lula, Motta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o vice-presidente Geraldo Alckmin, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), e líderes do governo. A presença de Alckmin, pelo seu peso político, foi um sinal para o Congresso da importância desse assunto para o Planalto.
Apesar do clima de entendimento, nada está garantido. As alternativas ao aumento do imposto ainda serão apresentadas, no domingo, para avaliação dos líderes partidários. A tramitação e aprovação do pacote vão depender da aceitação dos representantes das bancadas no Congresso. Pelo que foi conversado até esta terça, estão previstas uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), uma Medida Provisória e um projeto de lei para compensar o esvaziamento do decreto do IOF. Será também difícil estabelecer consensos sobre os assuntos colocados na mesa.
O entendimento foi feito em torno de “medidas estruturantes”, termo usado por Motta para mudanças na legislação que permitam o equilíbrio das contas não apenas em 2025, mas também nos próximos anos. Sobre esse aspecto, todos concordam. Mas há divergências em relação ao conteúdo das propostas.
Desvinculação de benefícios
De um lado, o presidente da Câmara trabalha para incluir no pacote a desvinculação de benefícios previdenciários do salário-mínimo e, também, a eliminação dos pisos constitucionais para os investimentos em saúde e educação. Essas são exigências dos partidos do Centrão. Com outro foco, o governo se empenha, por exemplo, na elevação da idade mínima das aposentadorias dos militares e no fim dos supersalários.
Uma das novidades colocadas em discussão está relacionada a mudanças no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). A ideia é limitar os investimentos da União no fundo, o que daria uma folga de caixa que permitiria aliviar o aumento do IOF. Esse seria a proposta que demandaria a PEC, por mexer na Constituição. Também está em debate a revisão das desonerações das folhas de pagamento de setores da economia. No Planalto, o fato de Motta ter aceitado negociar essa pauta é considerado um avanço. A tendência é que o governo e a cúpula do Congresso tenham convergência sobre esse ponto, apesar da resistência de setores beneficiados que tendem a fazer pressão sobre parlamentares.
Há ainda conversas sobre a alteração do preço petróleo, defendida pela equipe econômica. A ideia é alterar a forma como se calcula o Preço de Referência do Petróleo (PRP), medida que teria um impacto de R$ 10 bilhões ao ano.
O governo também negocia a elevação CSLL dos bancos em um ponto percentual de forma temporária, ideia que já foi colocada como forma de compensar as perdas com desoneração da folha de pagamentos. Outro ponto em negociação é a tributação das bets e de investimentos em criptomoedas.
A entrevista coletiva que se seguiu à reunião no Alvorada teve um claro propósito do Executivo de demonstrar unidade com os dois presidentes do Legislativo. Motta e Alcolumbre também tentaram marcar essa posição, mas com a ressalva de que não poderiam firmar o acordo sem o aval dos partidos.
Esse encaminhamento provocou certa frustração do governo, que esperava anunciar pontos do acordo antes do embarque de Lula para Paris, na noite de terça. Na avaliação do Planalto, porém, o fato importante é o envolvimento dos dois presidentes do Legislativo na busca de uma solução que contemple o arcabouço fiscal e a meta de déficit zero defendida pelo ministro da Fazenda.
Motta e Alcolumbre também têm compromissos com partidos do Centrão e da oposição, pois foram eleitos por uma ampla aliança na Câmara e no Senado. Sair do Alvorada com um acordo selado, nesse caso, não seria útil para a imagem dos dois presidentes diante dos partidos na Câmara nem para articulação do governo que poderia passar a imagem de costurar o acordo por cima, sem ouvir as lideranças no Congresso.