Diante da confusão causada por notícias falsas sobre taxação das transações via Pix, o governo decidiu recuar com a medida de fiscalização que havia sido anunciada pela Receita Federal e mergulhou de cabeça no terreno já preparado pela oposição para politizar o assunto.
Em rápida entrevista para anunciar as ações que serão tomadas, logo após uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, falou de “pessoas sem escrúpulos e com intenção de ganho político” que prejudicaram a população mais humilde, vítima de golpes.
O advogado-geral da União Jorge Messias disse que os golpes foram alimentados pela “narrativa que, infelizmente, foi reproduzida por diversos políticos brasileiros”. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) arrematou dizendo que o Brasil, recordista em crimes cibernéticos e em golpes via WhatsApp, não pode perder instrumentos de combate aos crimes cibernéticos e ao crime organizado. E citou nominalmente o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“As rachadinhas do senador Flávio, elas foram combatidas porque a autoridade identificou uma movimentação absurda nas contas do senador Flávio Bolsonaro”, disse Haddad. “Agora, o senador Flávio está reclamando da Receita? Não pode reclamar da receita. Ele foi pego pela Receita. Esse pessoal que comprou mais de 100 imóveis com dinheiro de rachadinha não pode ficar indignado.”
Segundo o ministro, “Flávio Bolsonaro, ao invés de criticar o governo, deveria se explicar como, sem nunca ter trabalhado, angariou um patrimônio espetacular”. Haddad insistiu: “Quem combateu esse tipo de crime foi a Receita Federal com esses instrumentos. Nós precisamos de instrumentos para combater o crime organizado”.
As declarações indicam a estratégia de se igualar em armas com a oposição e politizar, de vez, o debate em torno do assunto. Em paralelo, há a intenção anunciada de investigar criminalmente os responsáveis pela difusão das informações que se espalharam nas redes.
O embate em torno do tema, portanto, se dará agora em duas frentes: i) no front político, com medidas administrativas e apostando no debate mais frontal com a oposição e ii) por meio uma investigação pela Polícia Federal.
Na primeira frente, o governo prepara uma MP (medida provisória), a ser assinada pelo presidente Lula, garantindo que transações via Pix equivalem a pagamento em dinheiro e, portanto, não estão sujeitas a taxações por parte do governo e nem é possível que os comerciantes façam diferenciação de preços.
Como é uma MP, para virar lei, o texto precisará do aval de deputados e senadores. Com isso, o governo divide com os parlamentares a responsabilidade por essa decisão.
Na segunda frente, o governo quer que investigações formais identifiquem e punam os responsáveis pela divulgação e pela propagação das notícias falsas. Indiretamente, com isso, joga lenha na fogueira da polarização com a oposição.
As medidas anunciadas foram debatidas internamente com o presidente Lula, que exigiu dos ministros uma forma de acabar com fake news que estão alimentando golpes no varejo. O Banco Central também foi chamado para o debate.
Lula chamou Haddad, Messias e o secretário da Receita às pressas no Planalto nesta quarta.
A irritação do presidente cresceu porque ele viu que a semente plantada pela oposição nas redes sociais não seria facilmente desfeita. Os vídeos gravados pelo próprio presidente e pelo ministro Haddad desmentindo as informações sobre taxação das operações via Pix não foram suficientes e o assunto continuava - como continua - escalando nas redes.
O movimento nas mídias reforçou o desgaste na imagem do governo e, especialmente, na do ministro Fernando Haddad - um movimento que começou ainda no ano passado, quando circularam vários memes vinculando o ministro à imagem de um cobrador voraz de impostos. Haddad é um possível candidato a disputar a Presidência, caso Lula não concorra à reeleição.
O desgaste contratado, agora, pode ser útil para oposição nas eleições de 2026. O governo sabe, e por isso resolveu mudar sua estratégia na batalha.