O Itamaraty entrou na disputa de instituições e empresas dos Estados Unidos com o STF brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores rebateu na tarde desta quarta, 26, aos ataques do Departamento de Estado dos EUA contra o ministro Alexandre de Moraes e o Supremo. "O governo brasileiro rejeita, com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais e ressalta a importância do respeito ao princípio republicano da independência dos poderes, contemplado na Constituição Federal brasileira de 1988", disse o órgão, em nota oficial.
A manifestação do Itamaraty representa uma subida de patamar no embate sobre Moraes travado pelos dois países. A disputa passou do nível jurídico e político para o campo diplomático.
A ofensiva dos Estados Unidos contra o ministro se dá em duas frentes: uma ação judicial contra o ministro apresentada no Tribunal Federal do Distrito Médio da Flórida, no último dia 19, pela plataforma Rumble e pelo grupo Trump Mídia e Tecnologia, pertencente ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; e um projeto aprovado nesta quarta-feira, 26, pelo Comitê Judiciário (equivalente à CCJ no Brasil) da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, que tenta proibir a entrada do magistrado no país.
Do lado do Brasil, a defesa é feita pelo Ministério das Relações Exteriores e pela AGU (Advocacia Geral da União). A nota do Itamaraty foi uma resposta a uma publicação feita na rede social X pelo Departamento de Relações com o Hemisfério Ocidental, uma divisão do Departamento de Estado, contra a decisão de Moraes de bloquear o Rumble. Segundo essa postagem, o órgão americano considerou que o bloqueio seria "incompatível com valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão". A rede X pertence a Elon Musk, diretor do Departamento de Eficiência Governamental do governo Trump.
Em sua resposta, o Itamaraty considera que o órgão dos Estados Unidos distorce o sentido das decisões do STF, que servem para assegurar a aplicação da legislação brasileira em território nacional, inclusive a exigência da formalização de representantes legais de todas as empresas que atuam em território brasileiro.
O texto do Ministério das Relações Exteriores lembra que a liberdade de expressão deve ser exercida no Brasil em consonância com os demais preceitos legais vigentes, sobretudo os de natureza criminal, e cita a tentativa de golpe que levou à denúncia apresentada pela PGR no dia 18 de fevereiro. "O Estado brasileiro e suas instituições republicanas foram alvo de uma orquestração antidemocrática baseada na desinformação em massa, divulgada em mídias sociais. Os fatos envolvendo a tentativa de golpe contra a soberania popular, após as eleições presidenciais de 2022, são objeto de ação em curso no Poder Judiciário brasileiro”, afirma a nota.
A ofensiva nos Estados Unidos se intensificou depois da entrega, no dia 18 de fevereiro, da denúncia da PGR ao Supremo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas acusadas da tentativa de golpe de estado na transição do governo de Jair Bolsonaro para o sucessor, Lula. Moraes é o relator do caso, que pode condenar à prisão o ex-presidente, que é aliado de Trump.
Projeto ainda precisa passar pelo plenário
O projeto aprovado pelo Comitê Judiciário ainda precisa ser analisado pelo plenário da Câmara dos Estados Unidos. Embora Moraes não seja citado nominalmente no texto, os autores da proposta o apontaram como um de seus alvos, em setembro de 2024, no início de sua tramitação. Essa foi uma iniciativa de parlamentares republicanos na época em que Moraes tirou o X (antigo Twitter) do ar. O texto prevê veto à entrada ou a deportação de “agentes estrangeiros” que limitem o direito de liberdade de expressão de cidadãos dos Estados Unidos em solo americano.
A ação contra Moraes foi apresentada no Tribunal Federal do Distrito Médio da Flórida, no último dia 19, pela plataforma Rumble e o grupo Trump Mídia e Tecnologia. Os dois pediam, em medida cautelar, para não serem obrigadas a cumprir as determinações do ministro. No dia 25, a juíza Mary Scriven negou o pedido por considerar que as empresas não apresentaram nenhuma alegação que merecesse revisão judicial por um tribunal dos EUA.
Nesse meio tempo, Moraes suspendeu no dia 21 o funcionamento do Rumble no Brasil porque a plataforma se recusou a nomear um representante no País.
Responsabilidade das redes sociais
A disputa com os Estados Unidos é vista no Itamaraty como uma estratégia para pressionar a corte brasileira, que deve retomar em breve o julgamento da responsabilidade das redes sociais pelo conteúdo que publicam. A votação está paralisada no plenário por um pedido de vista do ministro André Mendonça. Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux já votaram pela responsabilização em todos os casos, antes mesmo de uma decisão judicial para a retirada da postagem. O ministro Luís Roberto Barroso abriu uma divergência com o entendimento de que a remoção do conteúdo depende de decisão judicial em crimes contra a honra.
Além de ter Musk em sua equipe de governo, o presidente Donald Trump tomou posse na Casa cercado pelos dirigentes das principais big techs dos Estados Unidos, todas com atuação importante no Brasil, e que seriam diretamente atingidas pela decisão da corte brasileira. Todas essas empresas se manifestaram no caso contra a possibilidade de serem responsabilizadas.
Defesa da AGU
A AGU (Advocacia Geral da União) também havia entrado na disputa judicial por considerar que os ataques contra Moraes são baseados em sua atuação como ministro, ou seja, em razão de sua função como agente público brasileiro. A defesa judicial é feita em parceria com escritório internacional com competência para atuar na justiça dos EUA.
As ações no Brasil e nos Estados Unidos têm um personagem em comum, o empresário Paulo Figueiredo. Radicado naquele país, ele é acusado no Brasil de participação no plano de golpe de Estado. Os militares envolvidos teriam usado o vazamento de um documento para Figueiredo como forma de pressionar o comando do Exército a participar do golpe. O empresário, que apresentava um programa na Jovem Pan, é neto de último general presidente da ditadura militar, João Figueiredo e, por isso, é considerado alguém com influência na caserna.
Nos Estados Unidos, Figueiredo é citado pelas empresas como alvo de decisões do ministro que limitavam o acesso às suas redes sociais e o bloqueio de seus bens. A ação judicial também faz referência à decisão de Moraes que congelou as contas da Starlink, de Musk, para garantir o pagamento de multas aplicadas ao X, que não mantinha representante no Brasil, apesar de atuar no país.