Relator de projetos que tratam de tecnologia e cultura no Congresso, como inteligência artificial e streaming, o senador Eduardo Gomes, do PL do Tocantins, tornou-se um dos principais nomes no meio político sobre regulamentação do ambiente digital.

Em entrevista ao canal Amado Mundo, Gomes defendeu que o Brasil avance com urgência na regulação dessas áreas para aproveitar uma janela única de oportunidades que pode transformar a economia criativa e o setor digital. 

O senador criticou a demora na votação do PL do streaming e comentou as discussões em torno da cota de tela, tributação e direitos autorais. Ele ressaltou a necessidade de equilíbrio entre regulação e inovação e destacou o potencial brasileiro em atrair investimentos para construção de data centers e se tornar referência em IA. 

Confira a seguir os principais trechos da entrevista. Assista ao vídeo completo ao final do texto. 

Qual a importância do projeto que visa a regulamentar o streaming?

Primeiro, as relações entre as plataformas e a inserção do ambiente, que ainda é híbrido entre televisão aberta, fechada e canais da internet. É uma definição de equilíbrio de mercado que dê à produção brasileira, além de garantias que vêm sendo conquistadas, como cotas e participações, um senso de realidade para que o mercado ande, as pessoas tenham remuneração e um ambiente previsível de investimento. 

Qual poder uma lei que inclua a cota de tela tem para impactar de fato a quantidade de produções nacionais realizadas por ano?

É primordial que exista esse ponto de incentivo, porque abre uma janela definitiva para a capacidade produtiva do Brasil. Mas existe um problema inverso: exagerar na regulação e na cota pode causar a falta de produção, problemas de qualidade e diferenças no ambiente. Você não vai colocar na primeira tela uma produção nacional de qualidade ruim; se tiver boa, pode ganhar o Oscar. 

Qual a sua visão sobre negociação em torno da alíquota do Condecine para o streaming? 

É preciso bom senso. Se você deixa de ter dois meses de arrecadação de 3%, já perdeu 6%. Sempre defendi algo em torno de 4%, que pode ser absorvido pelo mercado. O recurso obtido com 3% da Condecine é alto, e isso não quer dizer que, se for insuficiente, não se possa aumentar. Quando você dobra, tem o risco de micar a política. É o que acontece hoje. Há uma corrente antagônica que segura o projeto, e vamos completar um ano sem uma política pública que poderia estar disponível para as pessoas.

Tem risco dessa regulação afastar plataformas de streaming no Brasil? 

Afastar não, porque o mercado é grande e já está se acomodando diante da realidade. A gente já nota diferenças de conceito editorial que vão se adaptando à população e ao que querem ver e assistir. Temos que pensar naqueles que estão trabalhando, que estão perdendo a oportunidade de auferir recursos, criar um ambiente produtivo. É necessário acompanhar o tempo certo para resolver os problemas, porque a tecnologia avança rápido e as plataformas mudam constantemente.

Qual a expectativa de tempo de aprovação para que o marco regulatório da IA entre em vigor no Brasil?

Temos uma legislação equilibrada, que suaviza a visão da União Europeia e não libera como nos Estados Unidos, que acham que não deve ter regulação nenhuma. Estamos em um ponto em que a Câmara pode inserir outras matérias importantes, aproveitando a janela de investimento e utilização de IA em grande dimensão, como os data centers. O Senado pode aceitar isso sem sustos. Precisamos de legislação que regule as relações e dê segurança para quem investe. 

Como os data centers entram no texto de IA e qual a janela de investimento para o Brasil?

O número muda todo dia, mas, em média, 95% dos dados em nuvem não estão no Brasil, até mesmo dos brasileiros. Temos uma matriz energética predominantemente limpa, água e energia suficiente em determinadas regiões e capacidade para receber essa grande demanda de investimento que o mundo exige. Se o Brasil tiver estratégia e inteligência, vai se colocar como um player importante. Além de grande usuário de tecnologia e inteligência artificial, podemos ter uma política de incentivo a data centers que torne nosso parque um dos melhores do mundo. Agora, isso requer condições de investimento e previsibilidade. Não é questão política, partidária ou ideológica, mas de Estado. É uma oportunidade como se tivéssemos descoberto petróleo. 

Qual é o equilíbrio entre a necessidade de regulação e a liberdade para inovar na IA? 

A qualidade na discussão. As pessoas tendem a exagerar ao buscar uma solução. Toda vez que big techs, Congresso, Ministério Público e sociedade discutem em um ambiente sadio, as soluções tendem a aparecer. É tudo muito rápido: a necessidade é premente, mas também é preciso entender que lidamos com situações inéditas.

Como o senhor vê a reivindicação da classe artística de receber pelos direitos autorais quando as obras são comercializadas? Qual a chance de avançar no Congresso?

Hoje, não vejo o mercado preparado para estabelecer direitos autorais com a dinâmica e a tecnologia disponíveis para aferir esses valores, sem uma faixa de transição ou acordo. São muitas particularidades que exigem um início arbitral entre as partes, para que funcione. Acho que vamos ter que nos debruçar mais sobre isso e, de parte a parte, construir um ambiente adequado. 

O que precisa ser feito para melhor atender os trabalhadores da economia criativa no digital?

O que não pode é ter uma indústria forte e todo dia você ligar a televisão ou entrar em qualquer site e ver artistas e ícones morrendo de fome, literalmente. O recurso precisa chegar. É necessário democratizar o acesso ao recurso do sustento de quem produz arte. Quem produz não é só quem escreve ou faz música, mas também quem monta o estúdio e cuida da parte tecnológica, como em qualquer outra indústria.