Autor de um projeto para ampliar a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) faz coro à onda criada nos últimos dias pelas denúncias feitas pelo influenciador Felca e defende que o Congresso deve agir com rapidez para regulamentar as plataformas e dar às famílias ferramentas que permitam evitar a exposição do público infantil a conteúdos nocivos.
Convidado do PlatôBR Entrevista, o senador também falou sobre a CPI do Crime Organizado, que ele mesmo propôs e está em vias de iniciar seus trabalhos no Senado. O objetivo é investigar e limitar a crescente influência de facções criminosas em setores estratégicos do país – um movimento que, diz, está submetendo o Brasil a um processo de “mexicanização”.
Alessandro Vieira defendeu ainda uma espécie de equacionamento das punições aos condenados por participação no 8 de Janeiro. Para ele, os cabeças da tentativa de golpe devem sofrer pesadas sanções, mas, à diferença das sentenças proferidas pelo STF, as penas para os demais envolvidos que têm papéis secundários na trama deveriam ser proporcionais. Embora veja como casuísmo pró-Jair Bolsonaro o Senado avançar agora num processo de impeachment contra Alexandre de Moraes, o senador faz críticas contundentes à atuação do ministro e, mesmo fazendo a ressalva sobre o momento, diz que votaria a favor do afastamento se o processo fosse devidamente instaurado.
Eis os principais trechos da entrevista (assista em vídeo aqui).
O presidente da Câmara, Hugo Motta, se sensibilizou com vídeos sobre a adultização de crianças nas redes. O senhor já tinha um projeto para proteger crianças online. Como vê essa nova mobilização em torno do tema e a criação de um novo projeto, mesmo já havendo o seu?
Política tem dessas coisas. Você tem janelas de oportunidade para a tramitação de projetos. Esse projeto, especificamente, é de 2022. E ele é baseado na constatação prática de que você tem diariamente milhares de crianças brasileiras vitimizadas no ambiente digital. O ambiente digital não é seguro. Ele tem toda uma série de ferramentas que favorecem o cometimento de crimes, e aqueles que poderiam evitar esse cometimento de crime não se mobilizam, que são as empresas. O projeto tramitou com alguma facilidade no Senado. Conseguimos a aprovação praticamente por unanimidade, mas na Câmara estava tramitando lentamente na relatoria do deputado Jadyel (Alencar, do Republicanos do Piauí), que apresentou um relatório bastante razoável, bastante consistente, e que agora pega essa onda motivada lá pelo Felca, um youtuber muito conhecido que fez um longo vídeo mostrando os vários casos de exploração de crianças e adolescentes. Espero que a Câmara dos Deputados finalmente consiga legislar sobre o tema.
Esse projeto precisa abranger influenciadores mirins, pastores mirins e crianças que usam as redes sociais e falam como adultos, como mostra o vídeo do Felca?
Mais importante é regulamentar as ferramentas. Então, quando eu garanto que a empresa, a indústria que vive disso, tem responsabilidade, eles passam a cuidar mais do conteúdo dos acessos. Eu exijo verificação efetiva de idade. Não adianta colocar no termo de uso que a idade mínima é 13 anos de idade e ao mesmo tempo permitir contas de cinco, seis anos de idade. Também (é preciso) empoderar as famílias, permitir que elas tenham ferramentas de controle parental mais efetivas, de mais fácil acesso. Tem que lembrar da diferença de gerações. Você tem pais que não foram criados em ambiente digital, que têm que lidar com filhos que vivem imersos no meio digital.
O Brasil já não tem lei para isso? Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente já não daria conta?
Não, porque você não tem o direcionamento para as empresas, não fica claro e você acaba tendo uma divergência de legislação quanto à legislação de regência de tecnologia, que é o Marco Civil da internet, que abre mão da responsabilização das empresas. O Supremo tentando fazer isso por interpretação e gerar responsabilização não é um bom caminho. O bom caminho é o Congresso exercer seu papel, discutir com a sociedade, com os especialistas, com as empresas e apresentar regras. Não fazer nada é a pior coisa que o Congresso pode fazer. A inércia é a pior coisa. A sociedade segue se modernizando, mas as vítimas vão sofrendo e a gente fica parado de braços cruzados.
Como é que o senhor enxerga hoje a atuação das empresas? Elas vêm colaborando?
Conversamos com todas elas. Não existe uma sensibilidade natural das empresas. As empresas são focadas em lucro. Então elas têm as ferramentas, elas têm as informações e elas não botam em prática a derrubada de conteúdo, a restrição de circulação de conteúdo, porque elas lucram com isso e esse é o grande foco delas.
Então, esperar que as empresas sozinhas, por iniciativa própria, tomem alguma conduta em defesa da sociedade é um erro. Se não estiverem sob ameaça de uma sanção, especialmente de multas, elas cruzam os braços e deixam o conteúdo rodando. O que agrega na tela é violência, discurso de ódio, discriminação. Isso tudo gera engajamento e é o que eles querem, infelizmente. É lucrando à custa de sacrifício de pessoas.
O senhor está pleiteando ser o relator da CPI do Crime Organizado. É um desafio e tanto. Hoje, pontos turísticos brasileiros estão nas mãos de facções. Qual será o principal foco da comissão?
Buscar um trabalho que seja técnico e transparente, que a gente traga dados específicos e consiga nivelar a informação. O Brasil está muito perto do limite daquilo que se chama tecnicamente de mexicanização. Você tem hoje fatias do território brasileiro que são comandadas pelo crime dentro de cidades e também nas nossas divisas. Nós temos ramos de atividade muito específicos que estão sendo sequestrados pelo crime organizado, desde provedores de internet a postos de gasolina. A estimativa hoje das empresas do setor é que um quinto das empresas já sejam dominadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). A gente tem que enfrentar isso com uma dose necessária de realismo para que possa fornecer para o Estado, finalmente, um Plano Nacional de Segurança Pública que tenha base técnica e que, ao mesmo tempo, garanta financiamento adequado, porque não vai se fazer esse combate só com teoria. A gente vai ter que fazer o enfrentamento da retomada de território, alguns lugares de retomada de ramo de atividade e de dura punição dos criminosos, especialmente naquilo que, de certa forma, conecta todos os crimes que é a lavagem de dinheiro. É na lavagem que vão se encontrar todos os crimes. E, certamente, uma CPI bem feita vai mostrar para o povo brasileiro o quanto o crime organizado vem se aproximando e se infiltrando do poder público, inclusive através de eleições.
O senhor falou em um Plano Nacional de Segurança Pública. Ao longo dos governos houve a apresentação de vários planos. Teve o Pronasci, agora tem a PEC da Segurança Pública. Não seria melhor pegar o que já tem e tentar direcionar para uma ação mais efetiva?
O que uma Comissão Parlamentar de Inquérito consegue fazer é mostrar com destaque aquilo que funciona e aquilo que não funciona. E nós temos exemplos dentro e fora do Brasil. Nós temos estados como Sergipe, que já foi o terceiro mais violento do Brasil e que hoje é o mais seguro do Nordeste. Qual foi a receita de bolo? Por que Santa Catarina sempre tem números bons na segurança pública? O Espírito Santo conseguiu sair da situação de muita violência para um controle bem razoável. O que acontece que funciona e o que foi feito pelos governos para que possa transformar isso em políticas nacionais? (Há) ferramentas que são utilizadas, salvo em situações muito peculiares, como a do Rio de Janeiro, por exemplo, e a do Norte do país, onde a geografia tem um ponto preponderante para ser avaliado. Mas no resto do Brasil, não. As rotas de acesso de drogas e armas são conhecidas. Todas elas são plenamente conhecidas e são insuficientemente fiscalizadas. A atual PEC da Segurança é muito mais uma resposta midiática do que uma solução concreta. Ela praticamente não muda nada. Ela apenas pegou fundos que já existem e os colocou na Constituição. E o efeito disso é perto do zero. Então, na verdade, imagino que dar voz aos profissionais que atuam na segurança pública em todos os segmentos, trazer os exemplos que funcionam, vai permitir que a gente (na CPI) coloque o dedo na ferida e efetivamente busque soluções.
Alguns governadores já se manifestaram sobre a autonomia dos estados na segurança pública. É uma das preocupações em torno da PEC. Isso vai estar presente também nas discussões da CPI?
É um falso dilema. Na verdade, a legislação hoje atribui à Polícia Federal tudo aquilo que extrapola o limite do Estado. Então, o governador Caiado (Ronaldo Caiado, de Goiás), que é uma pessoa que eu gosto muito pessoalmente, usou aquilo como uma plataforma política apenas para projetar o nome dele, para criar uma espécie de divisão e valorizar a sua proposta, que é muito baseada na segurança dura. A PEC em nenhum momento coloca isso em risco. Não faz sentido. A atuação da Polícia Federal contra crime organizado que ultrapasse o limite de estado já está presente. Já é assim. Sempre funcionou. A cooperação entre a Polícia Federal e a Polícia Civil funciona muito bem em vários estados.
Como o senhor enxerga a polarização política e tudo o que ela vem gerando, como a recente obstrução dos trabalhos no Congresso e o movimento que levou ao tarifaço?
A polarização vem servindo no Brasil há muito tempo como uma bela cortina de fumaça para incompetência e preguiça. A polarização me garante buscar votos sem ter que trabalhar. Basta ser contra alguém, agredir alguém, ofender alguém. Então, os presidentes (da Câmara e do Senado) enfrentaram, cada um ao seu jeito, dificuldades no plenário. No Senado, a dificuldade foi mínima. Não teve nenhuma pauta relevante que não foi votada, não teve nenhuma reunião importante que não foi feita, nada, só papo furado para rede social. E já na Câmara, não. (Houve) uma situação quase de confronto físico para que o presidente da casa pudesse retomar. Acho que (aquilo) deve, sim, ensejar a punição de alguns parlamentares que ultrapassaram qualquer limite de civilidade. O ponto final disso tudo me parece ser mostrar para o eleitor que não tem concretamente nenhum resultado no que estão fazendo. Eles defendem pautas e soluções que não são sequer viáveis tecnicamente, (existem) apenas para mobilizar o eleitorado.
O senhor está falando da anistia e do foro privilegiado?
O foro privilegiado, como se defende ali, é uma coisa meio patética. Uma coisa do tipo “eu quero um biombo para cometer crime, ninguém pode me processar”. Não é mudança de foro apenas.
Mas o senhor já foi a favor do fim do foro privilegiado.
O fim do foro me parece uma boa solução. Mas não é isso que é pleiteado. O nome artístico é fim do foro, mas o conteúdo do texto não. É pior do que o foro, (o querem) é que qualquer inquérito policial exija uma prévia autorização do Congresso. Imagina um deputado roubar dinheiro de emenda parlamentar e eu tenho que pedir para o deputado: “posso investigar o senhor?”. Então, assim, é tão rídiculo que o eleitor entendendo o que está acontecendo, ele vai largar essa turma. Você perguntou sobre o tarifaço. Ninguém em sã consciência pode achar razoável perder emprego brasileiro, quebrar a empresa brasileira porque alguém quer ser eximido de responsabilidade judicial. Não tem como você defender isso para o eleitor. Não tem eleitor suficiente no Brasil com esse nível de desinformação que diga: “Olha, vamos aniquilar um segmento da economia, vamos reduzir o PIB do Brasil, vamos quebrar as empresas”. Agora, quando você transforma isso numa disputa entre Lula e Bolsonaro, aí você tem público. Acho que é um desafio grande dos presidentes das casas sair dessa armadilha e falar com as pessoas de um jeito que incomoda, mas que é verdadeiro. Acho que especialmente o presidente (Hugo) Motta, que é muito jovem, nunca ocupou um papel de destaque na vida, tem um desafio grande de, naquela selva, conseguir se impor.
Sobre a anistia, no semestre passado o presidente Davi Alcolumbre pediu que o senhor fizesse uma proposta de redução das penas das pessoas que estavam no 8 de Janeiro. Por que o senhor considera que essas penas precisam ser reduzidas?
Eu tenho pessoas que tiveram uma atuação mínima, estavam apenas presentes no local onde aconteceram os crimes, sendo apenadas com 17, 18, 20 anos de cadeia. Isso vai gerando uma falta de legitimidade popular que as pessoas não conseguem se convencer. Exemplo: olha essa senhora que está aqui, ela postava coisas na rede social sobre intervenção militar. Ela estava presente no local, mas eu não consigo provar que ela financiou, que ela planejou, que ela organizou. Ela tinha capacidade para cometer o crime, não individualiza a conduta dela, mas aplico a pena mesmo assim. Então, o projeto que eu elaborei e apresentei vai nessa linha: aqueles que planejaram um golpe de Estado, que coordenaram o golpe de Estado, que financiaram o golpe de Estado, tinham condições para fazê-lo, têm que ser duramente punidos. Mesmo assim, a conduta deles tem que ser individualizada corretamente até para que possam se defender. E algumas coisas que o ministro Alexandre (de Moraes, do STF) adotou como regra, que foram acompanhadas pela maioria dos outros ministros da Primeira Turma… Como você ter pelo mesmo fato a atribuição de dois crimes: abolição violenta e golpe de Estado. A lei corrigia isso.
É o caso de colocar o impeachment do ministro Alexandre de Moraes em votação hoje, como querem os aliados de Jair Bolsonaro?
Eu acho que agora não tem tempo para isso, porque agora significa, na verdade, uma ameaça ao Judiciário contra um julgamento. Mas em algum momento, tenho certeza absoluta disso, Alexandre vai ser responsabilizado, como já aconteceu no passado com outros juízes. Não vai ser a primeira vez, nem vai ser a última, porque são pessoas. Pessoas erram, pessoas cometem crimes, não é porque veste a toga de ministro que você se torna isento de qualquer tipo de falha.
Em que momentos o senhor acha que ele exagerou?
Quando ele faz toda uma instrução processual baseada na condição dupla de vítima e de investigador. O sistema brasileiro não atribui isso ao juiz. A denúncia, a condução da investigação está com a polícia e com o Ministério Público. Isso não acontece com o ministro Alexandre. O ministro Alexandre faz todas as funções. Todas, literalmente. Ele chega a interferir na parte pericial. Isso vai gerando um consenso de que tem abuso, tem excesso, tem erro. E hoje a sociedade brasileira não percebe o julgamento do ministro Alexandre como um julgamento justo. Uma parte significativa dos brasileiros entende que houve tentativa de golpe, houve crime. Essas pessoas devem ser punidas. Mas isso que está acontecendo aí não é justo. Não é razoável. A gente teve a oportunidade de tratar disso lá atrás e não conseguimos tratar muito porque não interessava a determinados criminosos. E, agora, imagino que vamos retomar esse tema com consistência pós-eleições. Acho que até lá a gente não vai ter condição nenhuma de tratar, porque hoje o Brasil retroceder nisso seria se ajoelhar para os americanos diante de uma ameaça ostensiva direta do presidente de outro país com relação à Justiça brasileira. Não tem como aceitar isso.
Seria usar casuisticamente o impeachment do ministro para beneficiar a família Bolsonaro?
Hoje seria, sem dúvida.
O senhor votaria contra?
Hoje, se pautado esse projeto, e bem instruído, eu votaria favoravelmente a ele, porque eu não tenho como separar as duas coisas. Eu não posso, por conveniência política, dizer: “Esse crime que eu estou vendo com os meus olhos não existiu”. Então, se você tem o projeto pautado, se ele é instruído devidamente e se você constata na prática aquilo que a gente vê aqui, teoricamente, cabe impedimento. Não tenho dúvida.