Diante do debate travado no Congresso em torno do fim da jornada de trabalho 6×1, como prevê atualmente a legislação brasileira, a economista Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, preparou um estudo sobre o tema. Apesar do forte apelo social da diminuição da jornada, ela concluiu que antes de trabalhar menos o brasileiro precisa produzir mais.
O estudo assinado em conjunto com a economista Débora Nogueira, também do UBS, afirma que os argumentos em favor da redução da jornada são legítimos — buscam promover melhor qualidade de vida, mais tempo para a convivência familiar e oportunidades de requalificação profissional —, mas com reservas.
As duas economistas afirmam que é preciso avaliar com realismo a viabilidade econômica de uma proposta como a da jornada 4×3, que tramita no Congresso por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). O texto ainda depende de análise da CCJ (Comissão de Constituicão e Justiça) da Câmara antes de ser debatido em uma comissão especial. O relator nem sequer foi definido.
“No contexto brasileiro, a liberação de três dias por semana, ao longo de 48 semanas, somada a 30 dias de férias, 14 feriados nacionais e outros de caráter estadual e municipal, resultaria em quase 200 dias não trabalhados e remunerados por ano”, observam Srour e Nogueira no estudo.
Para elas, o novo modelo de jornada proposto por Erika Hilton impõe um custo expressivo às empresas e ao setor público, especialmente em uma economia em que a produtividade é extremamente baixa. “A ideia tem forte apelo popular: trabalhar menos sem redução de salário. Mas a evidência internacional e as condições brasileiras sugerem que há riscos consideráveis”, defendem.
O fator produtividade
Reduzir a jornada de trabalho sem ganho prévio de produtividade, afirmaram as economistas, tende a implicar em elevação do custo do trabalho, perda de flexibilidade para as empresas e aumento da informalidade. Assim, no contexto brasileiro, em que a produtividade cresce lentamente e a formalização enfrenta entraves, a medida poderia trazer consigo efeitos adversos.
Segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conhecida como o clube das nações mais ricas do planeta, em países desenvolvidos a produtividade por hora trabalhada é alta. A média é US$ 70. Na Irlanda e Noruega, o valor ultrapassa US$ 120 por hora. No Brasil, o valor da hora trabalhada permanece na faixa de US$ 18 a US$ 20, três vezes e meia menor que a média dos países desenvolvidos e sem avanços significativos desde 2018.
As duas economistas analisaram os resultados das pesquisas feitas em países desenvolvidos que testaram a chamada “semana de quatro dias” ou jornadas reduzidas em um contexto de economias com alta produtividade, maior digitalização e forte cultura de negociação trabalhista. Foram incluídos no estudo os resultados da experiência no Reino Unido, na Islândia e na França.
No Reino Unido, um projeto piloto coordenado pela ONG Autonomy , em parceria com a University of Cambridge e a Boston College, envolveu 61 empresas e cerca de 2.900 trabalhadores, de junho a dezembro de 2022. As empresas reduziram em 20% o tempo de trabalho, mantendo 100% dos salários. Os resultados mostram que 92% das contratantes decidiram continuar com o modelo, 71% dos funcionários relataram menos burnout, a receita média permaneceu estável ou cresceu levemente e o bem-estar e o equilíbrio vida-trabalho melhoraram.
Na Islândia, entre 2015 e 2019, o governo islandês e o sindicato Alda, em parceria com o think tank Autonomy, realizaram o maior experimento mundial proporcionalmente à população: cerca de 2.500 trabalhadores (1% da força de trabalho) tiveram sua jornada reduzida de 40 para 35–36 horas semanais, com salário integral. A produtividade se manteve estável ou aumentou, e os indicadores de bem-estar melhoraram. Esses pilotos resultaram em acordos que hoje cobrem 86% da força de trabalho islandesa, que já tem o direito de negociar jornadas mais curtas.
Resultado negativo
Na França, a adoção da semana de 35 horas, aprovada em leis de 1998 e 2002, é um dos exemplos mais estudados de reforma trabalhista voltada à redistribuição de emprego. O FMI (Fundo Monetário Internacional) publicou um estudo técnico detalhado sobre o caso e a pesquisa analisou dados das empresas francesas. No caso francês, as companhias maiores foram obrigadas a reduzir a jornada antes das menores, o que permitiu avaliar os impactos reais da medida.
O estudo concluiu que a experiência na França resultou em aumentou significativo do custo por hora trabalhada. Por lá, muitos trabalhadores buscaram empregos secundários para compensar a menor carga horária e não houve criação líquida de empregos. Além disso, a satisfação com o trabalho não melhorou – em alguns casos, até diminuiu. Ainda segundo a pesquisa, a redução da jornada não gerou ganhos de bem-estar ou produtividade e resultou em aumento de custos e menor flexibilidade empresarial.
Necessidade de investimentos
O estudo das economistas brasileiras concluiu que a redução da jornada é um debate legítimo, mas a viabilidade depende de uma “base produtiva sólida”, qualificada e tecnologicamente integrada, algo que o Brasil ainda precisa construir, na avaliação das duas. “Precisamos atrair investimentos sofisticados, capazes de gerar empregos de alta qualidade, ao mesmo tempo em que investimos em educação básica e técnica, para elevar o capital humano e a produtividade. O Brasil precisa trilhar esse caminho”, sustentam.
Reduzir a jornada antes de elevar a produtividade, afirmam as duas na pesquisa, seria inverter a ordem natural do progresso econômico. “O ponto de partida deve ser atrair capital produtivo, garantir estabilidade fiscal e institucional, qualificar a mão de obra e modernizar a economia. Só então poderemos discutir, de forma sustentável, como trabalhar menos — e produzir mais”, diz um trecho do trabalho.
