A proposta do governo de limitar as compensações tributárias é considerada um “completo absurdo” por Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, mais longevo no cargo na história do país. Essa proposta fazia parte da medida provisória nº 1.303, que perdeu validade em outubro, e pode ser reapresentada pela equipe econômica para tentar fechar as contas e aprovar o orçamento de 2026.

“A compensação entre tributos ocorre quando o contribuinte tem um crédito de um tributo e um debito de outros tributos, sendo ambos do mesmo ente tributante. Se você estabelece algum tipo de limitação está, por via indireta, fazendo um confisco”, diz Maciel.

Consultor tributário, ele também afirma que as bets são “um tipo imposto que só alcança pobre” e não deveriam sequer existir. Diante do desequilíbrio fiscal no país, Maciel defende que o governo adote medidas para reduzir o ritmo de crescimento das despesas públicas. 

“Tenho três sugestões. A primeira é cortar despesas. A segunda é cortar despesas. E a terceira é cortar despesas”, diz. 

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Como o senhor avalia a estratégia do governo de aumentar impostos e limitar as compensações tributárias?
É uma estratégia difusa, dividida em muitas frentes, com muitas iniciativas. Não vejo nenhuma delas que seja investida de respeitabilidade. São todas políticas tributárias hostis.

Limitar as compensações tributárias se enquadra em política hostil?
Completamente um absurdo. A compensação entre tributos ocorre quando o contribuinte tem um crédito de um tributo e um debito de outros tributos, sendo ambos do mesmo ente tributante. Se você estabelece algum tipo de limitação está, por via indireta, fazendo um confisco. A introdução da compensação dita universal foi tomada em 1995, quando eu era secretário da Receita. A compensação é uma restituição e um pagamento em tempo real. Isso vigora até hoje. Se o contribuinte deve, ele será autuado e multado. Ao limitar a compensação há um tratamento assimétrico e desigual. No sentido técnico, ainda imoral, no que diz respeito à moralidade tributária.

E a tributação sobre fintechs?
Acho razoável. As fintechs devem ter o mesmo tratamento das demais instituições financeiras. Não pela motivação de produzir receita ao invés de cortar despesa. Mas do ponto de vista de tratamento equalitário, acho que faz sentido.

O senhor é favorável ao aumento de tributos para bets?
Eu tenho um entendimento mais rígido nesse aspecto. Não deveriam existir bets e, por consequência, a tributação. Bet é um tipo de imposto que só alcança pobre. Um velho ditado diz que as apostas, como as bets, foram instituições criadas pelo governo para cobrar imposto de quem não aprendeu matemática. Nada contra, mas não deveria existir. Bet é um imposto disfarçado e só alcança pobre.

E o aumento da alíquota da JCP?
É um absurdo. O governo vai induzir com que o contribuinte vá tomar dinheiro emprestado. A JCP existe para dar um tratamento equânime entre o juro aplicado no mundo real e a remuneração dos acionistas das empresas. Quem vai agradecer por isso são os bancos. No Brasil os juros já são altos.

No fim das contas, que caminho o governo deveria tomar para buscar o equilíbrio fiscal?
Corte de despesa. Tenho três sugestões. A primeira é cortar despesas. A segunda é cortar despesas. E a terceira é cortar despesas.

Mas que despesas poderiam ser cortadas?
O governo precisa parar de inventar novos gastos. Se você está no fundo de um poço e pretende sair, a primeira providencia é parar de cavar. Pare de inventar novas despesas. Tudo isso é para financiar novas despesas com a finalidade estritamente eleitoreira. Pare de cavar. Se você for elencar as despesas para cortar dará um trabalho danado já que tem tanta coisa. Gastos supérfluos com mordomias, benefícios fiscais indevidos com tratamento tributário concedido nas indenizações ao Ministério Público e ao Judiciário. Para isso é preciso convicção. Sem convicção não tem solução. Segundo, uma autoridade moral para enfrentar e cortar. Terceiro, habilidade política para que essa autoridade moral se converta em algo concreto e real.

E o senhor acha que esse governo tem essa convicção?
Não. Não existe coisa mais ilusória e fantasiosa que o arcabouço fiscal. É algo patético. Tenho arcabouço, porém essa despesa e aquela não entram. Se inventou uma coisa de mentira. Não há convicção nenhuma. O Brasil flerta com crise fiscal de grandes proporções.