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Livro analisa evolução e efeitos da política de cotas no Brasil

O lançamento de ‘O impacto das cotas’ é pela editora Autêntica e está previsto para o primeiro semestre de 2025

Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com mais de 10 anos da Lei de Cotas e mais de duas décadas da implementação de políticas afirmativas no Brasil, elas seguem sendo aprimoradas para que grupos historicamente excluídos possam se beneficiar delas da forma mais eficaz, seja no ensino superior ou no mercado de trabalho. É nesse sentido que os sociólogos Luiz Augusto Campos e Marcia Lima compilaram um estudo sobre o tema no livro “O impacto das cotas”, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2025.

O projeto faz parte da coleção “Cultura negra e identidades”, da editora Autêntica. Coordenadores do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, Campos e Lima reuniram diversas pesquisas científicas realizadas na entidade, além das contribuições de mais de quarenta especialistas em ações afirmativas.

O livro investiga a implementação e as consequências sociais, educacionais e raciais das cotas, para analisar as transformações no ensino superior a partir delas. Dados e casos concretos obtidos em algumas universidades brasileiras auxiliaram no estudo.

Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Marcia Lima é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Em entrevista à coluna, ambos falaram sobre a importância do tema e quais desafios a política de cotas ainda enfrenta.

Quais são os principais desafios à política de cotas no Brasil?

Marcia Lima: Um dos grandes desafios é a política de permanência no ensino superior. A evasão de cotistas ainda é grande. Retomamos com o atual governo essa pauta. Tem que haver vários projetos, programas de permanência nas universidades, mas essa medida tem dificuldades de implementação por questões orçamentárias. Não é uma política barata.

Outra questão é a eficácia ou o impacto das cotas considerando os diferentes cursos nas universidades. Acho que a Lei de Cotas não tem o mesmo impacto em todos eles. Embora a lei estabeleça cotas para os cursos no geral, não temos ainda uma performance, em termos numéricos, de ingresso de pessoas pretas e pardas em determinados cursos. Falo daqueles onde os casos de racismo se concentram mais.

E a inserção dos cotistas no mercado de trabalho?

Luiz Augusto Campos: Também é um desafio, levar essas políticas de ação afirmativa para o mercado de trabalho, que é onde efetivamente a discriminação acontece. Na maior parte dos países do mundo que têm ação afirmativa, elas se aplicam ao mercado de trabalho. No Brasil, a gente ainda é muito tímido nesse aspecto.

Marcia Lima: Era para a Lei de Cotas ter passado por uma reformulação no governo Bolsonaro, o que não aconteceu. Ela foi reformulada em 2023, no governo Lula. Mesmo sendo pauta governamental, essa dificuldade de inserção no mercado não diminuiu. Mas acredito que estamos conseguindo avançar em mudanças na política de cotas no serviço público. A Lei de Cotas reformulada foi aprovada na Câmara, falta o Senado. Existem muitas políticas de diversidade no mercado de trabalho, como, por exemplo, políticas de trainee para pessoas negras em empresas. Acho que, depois de 2020, esse assunto cresceu dentro das empresas, até com o caso de violência racista do Carrefour e o caso George Floyd nos Estados Unidos.

Como se dá a política afirmativa de cotas no setor privado?

Marcia Lima: Do ponto de vista de política pública, no setor privado não se pode impor uma lei de cotas. No mercado de trabalho, são outras dinâmicas que operam. Mas há algumas políticas de diversidade em empresas que também contemplam o privado. E agora há algumas ações de diálogo com o setor privado dentro do governo, para que ele comece a criar as próprias formas de inserir esse público [beneficiário de cotas].

Como as universidades podem ir além das cotas para promover um ambiente mais inclusivo e acolhedor a estudantes de grupos historicamente excluídos?

Luiz Augusto Campos: Esse é um dos principais desafios. As universidades incluíram, mas não necessariamente acolheram os estudantes cotistas. Isso não inviabiliza a política de cotas, ao contrário. A inclusão é importante, mas o acolhimento também é. Há uma dimensão mais material e prática, e outra mais simbólica. A material são as políticas de permanência, que garantam que os estudantes tenham acesso a diferentes serviços que os retenham dentro da universidade.

Agora, quando falamos em política de acolhimento, falamos, basicamente, de uma mudança na estrutura da universidade, como ela tradicionalmente funciona. A universidade no Brasil foi criada e funcionou historicamente para reproduzir elites. Quando as ações afirmativas são implementadas, elas mudam esse modo de proceder da universidade em termos estruturais, mas não em termos práticos, no seu funcionamento.

Deve haver um compromisso das universidades com diferentes políticas de efetivo acolhimento, que vão desde a mudança do currículo, a preparação de professores e, sobretudo, espaços que englobam pró-reitorias de inclusão, permanência de estudantes, denúncia e discussão do racismo, cursos de treinamento para professores. Mas as universidades, pela falta de recursos, têm feito pouco nesse sentido.

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