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Lobby, violência e conexões perigosas: a parte não contada do escândalo no STJ

Briga envolvendo advogado de um grande escritório de Brasília e sua ex-mulher expõe um lado ainda mais sensível das suspeitas que envolvem a venda de sentenças na corte

Plenário do STJ
Foto: Rafael Luz/STJ

As investigações sobre o esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país, têm duas frentes distintas, ambas com alto potencial explosivo. Só que uma delas, até agora pouco conhecida do grande público, é bem mais sensível que a outra – e, se bem apurada pela Polícia Federal e pela Procuradoria Geral da República, tem potencial para avançar sobre a atuação de poderosos escritórios de Brasília, muitos ligados a parentes de ministros, que faturam fortunas para solucionar processos em tramitação nos tribunais.

A parte já sabida da trama envolve mensagens e outros arquivos encontrados no telefone celular de um advogado morto em dezembro do ano passado em Cuiabá. No aparelho havia provas de que ele fazia pagamentos polpudos a um empresário-lobista de Brasília que tinha acesso a gabinetes do STJ e conseguia antecipar decisões e até modificá-las, a depender do dinheiro e dos objetivos dos clientes. Funcionários dos gabinetes, que depois recebiam uma parte do pagamento, facilitavam o trabalho da quadrilha.

Essa frente, embora tenha se provado bastante eficiente para os clientes da máfia e movimentado nos últimos anos valores na casa das dezenas de milhões de reais, girava mais no andar de baixo. As próprias mensagens encontradas no celular do advogado morto revelam personagens toscos na intermediação das transações. Em uma delas, Andreson Gonçalves, o empresário-lobista que fazia a ponte com os gabinetes, diz, ao garantir que conseguiria resolver um processo: “Quem vai fazer o voto vai ser a juíza extrutora amiga minha”. Ele, evidentemente, queria dizer “juíza instrutora”. Juízes instrutores são magistrados, geralmente de primeira instância, que assessoram os ministros de tribunais em seus gabinetes. Esse é só um exemplo de como Andreson, dono de uma transportadora, passava longe de ser um ás das letras jurídicas, apesar da sua alta taxa de sucesso e de ostentar uma vida faustosa.

A outra ponta da investigação, que por uma imensa coincidência acabou se encontrando com a do esquema do empresário-lobista, é muito mais polida e sofisticada. E nasce de uma história de arromba, que envolve violência, traição, dinheiro, lobby, oferta de facilidades em gabinetes, conexão com grandes bancas e amizades estreitas com ministros de tribunais superiores e seus familiares, donos de escritórios.

Pancadaria em Lisboa

Em junho passado, a advogada Caroline Azeredo viajou a Lisboa para participar de um conhecido evento que, todos os anos, reúne estrelas do Judiciário, do mundo empresarial, da advocacia e da política do Brasil na capital portuguesa. Em torno do evento, apelidado de “Gilmarpalooza” por ser organizado pelo instituto fundado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), costumam ocorrer animadas festas nas quais se encontram, também, os interesses dos participantes.

Caroline levou consigo na viagem seu novo namorado, Victor Pellegrino Júnior, um jovem recém-formado em Direito e lutador de artes marciais. Ela tinha saído havia pouco tempo de um relacionamento conturbado com Rodrigo Otávio Alencastro, procurador do governo do Distrito Federal e advogado privado com altas conexões no mundo do poder e, em especial, na cúpula do Poder Judiciário.

Alencastro também estava em Lisboa para a conferência. Primeiro, logo após as palestras iniciais do encontro, em uma festa num hotel cinco estrelas na qual estavam também políticos, empresários e advogados estrelados, ele e Caroline se esbarraram. Houve um princípio de estresse. Ela foi embora com o namorado. Alencastro ficou.

Dois dias depois, já no final de outra festa da programação paralela do "Gilmarpalooza", o trio se encontrou novamente. E, dessa vez, a história não acabou bem. Houve troca de agressões verbais, e a discussão descambou para a violência física. Victor, o novo namorado de Caroline, espancou Rodrigo Alencastro, que na confusão ficou sem a carteira e teve o telefone celular e a pulseira de seu Rolex quebrados.

Segredos revelados

Na volta ao Brasil, Alencastro procurou a Polícia Civil do Distrito Federal, registrou a agressão sofrida em Portugal e prestou um depoimento que, para o padrão low profile das operações paralelas do universo brasiliense, contém elementos bombásticos. Ele disse que Caroline, sua ex, vende influência em gabinetes do STJ. E citou casos específicos. E gabinetes específicos.

Poderia ser apenas mais uma intriga decorrente de uma briga conjugal. Mas a história profissional e pessoal dos dois personagens centrais, Caroline Azeredo e Rodrigo Alencastro, fazem a trama subir de patamar.

Para além de sua função pública como procurador do Distrito Federal, Rodrigo Alencastro é um dos principais advogados de um dos maiores e mais requisitados escritórios de Brasília, o Alckmin Advogados, de propriedade do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Eduardo Alckmin, primo do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Alencastro chegou como estagiário há 29 anos e hoje se apresenta como sócio da banca. Ele integra, ainda, a sociedade de outro escritório, junto com o irmão gêmeo.

A banca

Foi no escritório de Alckmin, por sinal, que Alencastro conheceu Caroline Azeredo, há quinze anos. Ela ingressou também como estagiária, e mais tarde foi efetivada como advogada. Saiu tempos depois, quando, num despacho no STJ na companhia de José Eduardo Alckmin, foi convidada pelo então ministro Napoleão Nunes Maia para trabalhar em seu gabinete.

Com porte de top model, Carol chamava atenção por onde passava – e quem Napoleão diz que foi o conjunto da obra que fez o ministro, afamado entre os pares como um galanteador incorrigível, convidá-la. Os dois passaram a ter uma relação de muita proximidade.

A advogada permaneceu pouco menos de um ano no gabinete de Napoleão no STJ e, na sequência, voltou para o escritório de José Eduardo Alckmin. Ela e Alencastro, àquela altura, tinham um relacionamento estável. E, juntos, privavam da intimidade da nata do Judiciário em Brasília.

Ele é próximo de ministros -- e, especialmente, amigo de filhos de ministros que são donos de escritórios e atuam em processos milionários que tramitam nas cortes superiores. Ela foi se ambientando, cada vez, mais nesse meio. Os dois tinham acesso privilegiado a personagens decisivos nos tribunais, inacessíveis a advogados comuns, reles mortais.

Luxo e poder

O casal era parte de um mundo de luxo, negócios e ostentação, que gira em torno de mansões, carrões, viagens, jatos privados, vinhos caros, parcerias entre advogados e escritórios e muitas conexões de altíssimo nível.

Rodrigo Alencastro e Caroline frequentavam festas, no Brasil e no exterior, várias delas com a presença dos próprios magistrados, empresários multimilionários e políticos de relevo. Alguns desses eventos eram organizados justamente para ligar interessados em decisões em curso nos tribunais aos magistrados responsáveis por assiná-las.

Se esmiuçada a contento, essa teia pode levar os investigadores a mapear como nunca antes o ecossistema dos escritórios de lobby que orbitam os tribunais superiores.

“É um verdadeiro balcão, e isso pode desaguar num escândalo sem precedentes para o Judiciário”, disse ao PlatôBR um importante ministro com conhecimento do caso. Outro afirmou, também sob reserva, que a frente que envolve Rodrigo Alencastro e Caroline pode dar uma nova dimensão à investigação sobre a venda de sentenças. Há dúvidas, porém, sobre o futuro do caso: por seu alto potencial explosivo e pelas figuras a ele conectadas, autoridades envolvidas acreditam que, em algum momento, a apuração pode travar.

Recados aos tribunais

No depoimento que prestou à polícia acusando sua ex, Rodrigo Alencastro deixa claro que sabe muito mais. E, em conversas reservadas nas últimas semanas, ele tem demonstrado que sabe mesmo, muito embora tenha enviado recados a ministros nos últimos dias, por meio de um famoso advogado amigo com ótimos relacionamentos em Brasília, garantindo que não está disposto a expor os ministros (e que, se perguntado, dirá que não tem mais nada a dizer).

Do tempo em que o casal esteve junto, Alencastro guardou registros importantes sobre movimentos que Caroline fazia nos bastidores. Frequentadores dessas altas rodas têm, inclusive, registros de baladas com a participação de garotas de programa de luxo e a memória de transações movidas a muito dinheiro para obter decisões favoráveis, principalmente no STJ.

O paradeiro de Caroline Azeredo é desconhecido. Dias atrás, em uma nota pública, ela disse que passou a ser atacada por Rodrigo Alencastro com “informações inverídicas” porque ele está inconformado com o término do relacionamento. Alencastro não quis dar declarações. O PlatôBR tentou contato com o advogado José Eduardo Alckmin, dono do escritório onde o casal se conheceu, mas ainda não teve retorno.

As declarações prestadas por Rodrigo Alencastro à Polícia Civil de Brasília na volta da viagem a Portugal foram enviadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Polícia Federal. Por uma enorme coincidência, elas acabaram chegando pouco depois de os dois órgãos começarem a investigar o conteúdo do celular do advogado morto em Cuiabá, que já dava um panorama detalhado sobre o tráfico de influência nos gabinetes do STJ. Com um detalhe interessante: algumas das informações prestadas por Alencastro envolvem gabinetes que também aparecem nas mensagens obtidas no celular do advogado assassinado. Embora sejam duas frentes distintas, há um elo entre elas. E a segunda, se bem explorada, como disse um ministro a par da história, tem tudo para multiplicar o tamanho do escândalo.

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