Se a união de economias em desenvolvimento no Brics foi um instrumento importante para o Brasil ganhar protagonismo econômico e geopolítico, o tarifaço do presidente americano Donald Trump abriu caminho para que o bloco (que inclui também Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes e Indonésia) reforce as relações comerciais do Ocidente com a Ásia. E, aí, o Brasil tem muito a ganhar. Essa é a aposta do governo que, nos últimos meses, iniciou uma força tarefa na Esplanada dos Ministérios para explorar sinergias especificamente entre Brasil e China. Por isso mesmo, das três viagens já realizadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Ásia até agora, a que ele inicia nos próximos dias a Pequim é que está cercada de maior expectativa em relação aos resultados.
“Há movimentação em toda a Esplanada para intensificar a nossa relação”, afirma o embaixador Eduardo Paes Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, citando várias áreas como infraestrutura, ciência e tecnologia, inovação, energia. Desse mapeamento, diz, já saíram algumas propostas concretas traduzidas entre os 16 protocolos e memorandos de entendimento que deverão ser assinados durante visita oficial do presidente à China, na próxima semana. Ainda segundo o Itamaraty, outros 32 atos estão em discussão e alguns deles ainda poderão ser oficializados a tempo de serem anunciados durante a viagem.
“Temos um amplo diálogo com a China em todos os campos: em defesa do multilateralismo, no interesse nas mudanças climáticas, no Brics, no G20”, afirmou o embaixador. Segundo ele, do ponto de vista comercial está clara a ideia de apostar em novas frentes de cooperação.
Cadeias produtivas
Com a política protecionista imposta pela gestão do presidente americano Donald Trump, a China quer intensificar a diversificação da cadeia produtiva, diminuindo a quantidade de componentes chineses nos produtos finais. “A marca continuará sendo chinesa, mas se reduzir os conteúdos deles, o país pode se beneficiar de tarifas menores ao comercializar com o resto do mundo”, diz uma analista internacional especializada no mercado chinês.
Aos poucos, complementa ela, a China quer abocanhar cotas do mercado consumidor mundial ocupado atualmente, por exemplo, por empresas americanas. E isso abre oportunidades para o Brasil atrair investimentos estrangeiros, além de abrir novos mercados para produtos nacionais.
Para o Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), o enorme mercado consumidor é um diferencial dos países do Brics que, neste momento, chamam mais atenção. As dez economias do bloco “representam cerca de 45% da população mundial, aproximadamente cinco vezes mais do que os países do G7”, destaca um texto divulgado nesta semana. “Em 2024, os países do Brics apresentaram taxas de crescimento populacional superiores às dos países do G7, influindo no grau de produtividade e de competitividade nas cadeias econômicas de valor.”
O embaixador Antonio Souza e Silva, conselheiro do Cebri responsável pelas relações institucionais e governamentais, destaca que as economias asiáticas estão muito mais dinâmicas do que o resto do mundo, com parte significativa da população saindo do nível de miséria e ingressando na classe média. “De 25 anos para cá, as economias asiáticas, individualmente, estão todas muito mais dinâmicas do que as do resto do mundo. Estão comprando mais, crescendo mais, criando mais empregos, com maiores oportunidades de educação. Esse é o dinamismo de países que estão crescendo e ficando mais ricos”, afirma.
Já nas economias europeias e na americana, Souza e Silva avalia que há certa acomodação com o que já foi conquistado. “A Europa, pela primeira vez, ficou 80 anos sem guerra e com um nível de bem-estar social extraordinário”, destaca. “Até que ponto isso não está tolhendo a vontade das pessoas de crescer de inovar, empreender?”, questiona, enfatizando que o mesmo acontece com os Estados Unidos. “Por que imigrante vai para os Estados Unidos? Porque americano não quer ser jardineiro, bombeiro, eletricista, construir casa.”
A advogada Fernanda Burle, ex-diretora do conselho de negócios Estados Unidos-Brasil da Câmara de Comércio em Washington, argumenta que os países competem por investimentos e mercados com base no que têm de mais atraente. O Brasil, segundo ela, durante muito tempo teve dificuldades em atrair mais capital por questionamentos jurídicos, regulatórios entre outros. “Agora, uma vantagem comparativa que não era tão observada ganha destaque: o mercado consumidor.”
Coordenador da área dedicada à China no escritório onde trabalha, o advogado César Amendo Lara, tem participado de conversas com diversas associações empresariais interessadas nas relações Brasil-China. Segundo ele, se esse nível de tarifas anunciado por Trump prevalecer, o Brasil terá não só a Ásia, mas também o Oriente médio para tentar compensar a perda de competitividade no mercado americano. Além disso, há espaço para abrir uma rota para atrair investimentos. “A indústria automobilística chinesa está criando plantas no Brasil e vai produzir aqui para exportar”, analisa.
A nova visita oficial de Lula a Pequim, que inclui reunião com o presidente Xi Jinping, está marcada para segunda e terça-feiras da semana que vem. Ele irá para a capital chinesa a partir de Moscou, onde cumpre agenda até este sábado, 10, a convite de Vladimir Putin.