Por mais que tentem dizer o contrário, tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto o ex-presidente Jair Bolsonaro, os dois porta-estandartes da polarização política nos últimos anos no país, sofreram reveses importantes nas urnas nas eleições municipais deste ano, encerradas neste domingo, 27, com a realização do segundo turno.
Lula e o PT tentam se descolar do fracasso eleitoral do partido, ora no comando da máquina federal, mas a derrota de Guilherme Boulos é, sim, uma derrota do presidente.
A caciquia petista, Gleisi Hoffmann à frente, sustenta que, na definição das chapas para a corrida eleitoral de 2024, preferiu abrir espaço para siglas aliadas nos grandes colégios eleitorais, especialmente em São Paulo, com o PSOL à frente e o PT na posição de vice, com Marta Suplicy.
O fracasso, por esse raciocínio, reverberado especialmente pela própria Gleisi, seria mais dos aliados e menos do PT. O partido sustenta, ainda, que Lula não pode ser responsabilizado pelos resultados negativos porque estava mais focado nas atribuições que a Presidência lhe impõe do que propriamente na campanha.
O esforço para promover o descolamento não faz sentido porque até a montagem da chapa paulistana teve participação direta de Lula, responsável pela costura que fez Marta voltar às hostes petistas e se somar ao esforço para eleger Boulos.
Por mais de uma vez, o presidente esteve em São Paulo para pedir votos, inclusive quando a campanha ainda não estava oficialmente aberta. Se na reta final ele decidiu não subir no palanque, foi porque já dava como certa a derrota – desenhada nas pesquisas e dada como certa pelo Planalto – e não queria se associar ainda mais a ela.
Tirando São Paulo da conta, não é trivial que o PT tenha conseguido eleger apenas um prefeito de capital, Evandro Leitão, numa acirrada disputa contra o PL em Fortaleza. É uma vitória, por sinal, que está muito mais associada ao ministro da Educação, Camilo Santana, que tirou férias para se dedicar à eleição do aliado, do que propriamente a um esforço pessoal do presidente e do estado-maior da legenda.
A derrota de Jair Bolsonaro não é de menor monta. Em São Paulo, onde venceu Ricardo Nunes (MDB), o candidato que ele apoiava, o ex-presidente viu aumentar sobre si a sombra do governador Tarcísio de Freitas. Foi mais Tarcísio e menos Bolsonaro o fator decisivo da vitória de Nunes. Trata-se de uma demonstração cabal de que o futuro da direita no país não passa, necessariamente, pelo ex-presidente.
O governador paulista não assume que pretende se candidatar ao Planalto em 2026, mas tem sido tratado como candidato por seu entorno. Com o resultado deste domingo, ele se cacifa para agregar os votos da direita bolsonarista e, ainda, seguir em seu movimento rumo ao centro. Está claro que Tarcísio quer, até o início oficial da corrida presidencial, se colocar como uma opção, digamos, pós-polarização – com a simpatia do eleitor bolsonarista e de direita, sim, mas sem os conhecidos excessos bolsonaristas.
Para Bolsonaro, é uma derrota porque ele se deu conta de que pode não ser tão necessário e determinante no tabuleiro das próximas eleições. Há outros jogadores com cacife. Assim como Lula, para além do resultado em São Paulo, o capital político do ex-presidente também sofreu danos em outras paragens. Em Goiânia, por exemplo, Bolsonaro viu outro expoente da direita, o governador Ronaldo Caiado (União Brasil), eleger o correligionário Sandro Mabel e derrotar Fred Rodrigues (PL), um candidato no qual resolveu apostar pessoalmente.
As eleições municipais se desenhavam, até pouco antes de a campanha começar para valer, como oportunidade para um novo duelo entre Lula e Bolsonaro. As expectativas não se confirmaram, e os dois acabaram por se dar conta de que, ao menos neste momento, não são tão decisivos para definir o resultado das urnas. É um sinal eloquente de que, em 2026, o eleitor pode rumar mais para o centro – e de que a polarização reinante até há pouco pode estar em franco derretimento.