A crise na bancada petista, quando 20 parlamentares do próprio partido do presidente Lula, o PT, ameaçaram votar contra as medidas de contenção de gastos no Congresso foi mais um capítulo das tensões vividas pelo presidente com seu partido ao tentar conciliar interesses diversos nesses dois anos do seu terceiro mandato. Eleito, também, com apoio de partidos de centro, que mesclam bandeiras caras à esquerda e, muitas delas, estão longe de agradar a ele próprio, Lula nem precisa de oposição porque as crises nascem dentro de casa.
O desgaste durante a elaboração, o anúncio e a tramitação do pacote fiscal foi o ápice do pragmatismo atribuído ao presidente por amigos próximos. Lula nunca foi um entusiasta do tema, mas sempre que precisou, soube usar o controle fiscal a favor do seu governo. Dessa vez, cedeu ao apelo de embrulhar as medidas de cortes de gastos, aceitas por ele como necessárias, no mesmo pacote de outras que geram mais despesas em prol das pessoas com renda até R$ 5 mil e que eram defendidas pela ala social do PT. O resultado foi um estresse que se desdobrou ao longo de semanas e ficou resumido na taxa de câmbio a R$ 6,30, valor recorde. A cotação recuou, mas ainda dá sinais de que dólar a R$ 6 poderá se consolidar como o novo normal.
Tempos novos com o BC
Além disso, o desgaste interno e externo resultou em um arranhão na imagem do principal interlocutor do governo com o mercado financeiro, o ministro Fernando Haddad (Fazenda). Ele ainda é bem avaliado entre analistas e investidores, no entanto, sua capacidade de convencer o presidente ficou abalada. Lula, agora, tenta usar a figura do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para sinalizar ao mercado que tempos novos virão e, de quebra, recuperar a imagem da equipe econômica.
Ocupando o cargo ainda interinamente, Galípolo será o presidente oficialmente a partir de 1º. de janeiro de 2025. E já assume se responsabilizando pelo choque de juros anunciado há duas semanas pelo BC . Demonstrando estar bastante à vontade ao falar sobre sua gestão no BC e a relação com o presidente Lula, Galípolo deixou claro seu compromisso em levar a inflação para meta, que já estourou o teto estipulado de 4,5%. E, de quebra, indicou que será precisa mudar muito o cenário econômico atual para o BC rever a decisão de elevar os juros para 14,25% até março de 2025.
O problema é que o mercado ainda está ressabiado e tentando entender quem dentro do governo tem força o suficiente para convencer Lula. Esse papel tinha sido creditado a Haddad especialmente após a aprovação, no primeiro ano da gestão, do arcabouço fiscal. O conjunto de regras que demonstravam compromisso com equilíbrio das contas públicas podia até não ser o ideal, mas foi um sinal importante, num momento chave para o governo. E o mercado, que já tem uma desconfiança histórica com o governo petista, deu o benefício da dúvida. O problema adicional é que, hoje, o mercado internacional não é mais o mesmo de 2023 e, diante de tempos mais difíceis nas relações dos EUA com China, esperados após a eleição de Donald Trump, investidores elevaram as cobranças e a birra com o governo petista.
Assim, o episódio do pacote fiscal, marca o desfecho de dois anos em que as divergências internas com o PT ou com alas do governo geraram mensagens contraditórias, pressionaram o presidente e confundiram o mercado.
Margem equatorial
Eleito com a bandeira de retomada da política ambiental, Lula se viu diante de um impasse no primeiro ano de governo por causa da exploração de novas fronteiras para extração de petróleo. A área chamada de Margem Equatorial (uma faixa litorânea no extremo norte do país, que promete ser o novo pré-sal na produção de petróleo a partir de 2030) foi motivo de embates dentro do PT e, sobretudo, entre ministros do governo. De um lado, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Do outro, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
No meio, a Petrobras que quer explorar a área e o Ibama, que precisa conceder a licença para que isso ocorra. O imbróglio, que ainda se arrasta, colocou em xeque a imagem de líder climático de Lula e reforçou a de defensor dos combustíveis fósseis.
A proposta conciliadora do presidente para essas duas alas passou por usar a Margem Equatorial, que é a principal aposta da Petrobras para manter o nível de exploração de petróleo quando o pré-sal começar a dar sinais de queda na produção, como uma transição. Assim, o país ganha tempo para alcançar o tão sonhado patamar de economia verde, um modelo econômico que busca a preservação do meio ambiente e a redução dos riscos ambientais ao mesmo tempo que fomenta a avanço econômico.
Lula chegou a dizer que, em algum momento, chamaria o Ibama, a Petrobras e o Ministério das Minas Energia “para tomar uma decisão”. Isso ainda não ocorreu.
Eleições na Venezuela
Outro momento de tensão nesse terceiro mandato do presidente Lula envolvendo diretamente o PT foi após as eleições na Venezuela. O PT soltou nota reconhecendo a vitória de Nicolás Maduro como presidente do país vizinho. Isso, apesar de a diplomacia brasileira discordar, pedir detalhes dos dados do pleito ao país vizinho e boa parte da comunidade internacional não reconhecer Maduro como presidente eleito.
O impasse foi um considerado o maior teste diplomático para o governo brasileiro, que havia se colocado como mediador da situação, após protestos no mundo todo. Maduro deverá tomar posse no dia dez de janeiro. A previsão é que o governo brasileiro não envie nenhum representante à cerimônia de posse, já que declarou que não o reconhecerá o novo governo da Venezuela.