Professor de história, ex-deputado estadual e federal, Marcelo Freixo presidiu a CPI das milícias no Rio de Janeiro e viveu sob ameaças por enfrentar o crime organizado e o bolsonarismo emergente. Em 2023, no governo Lula, assumiu a presidência da Embratur, a agência responsável por promover o Brasil no exterior — função que aparentemente contrasta com o duro histórico de sua trajetória política, marcada sobretudo pela atuação na área da segurança.

Em entrevista ao Lisboa Connection, do canal Amado Mundo, Freixo falou sobre o trabalho — que, avaliou, também tem a ver com segurança —, avaliou os rumos do turismo brasileiro, o papel da diplomacia cultural na reaproximação com países como a França e o potencial transformador do setor nas periferias. Ele também refletiu sobre o fortalecimento da democracia após anos de instabilidade e respondeu sobre Marielle Franco, sua amiga e ex-assessora. “O Brasil hoje é muito mais um Brasil da Marielle do que dos seus algozes”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Assista à íntegra ao final do texto.

Você já foi professor de história, investigou milícias, viveu sob ameaça de morte, foi opositor de Jair Bolsonaro… Ser presidente da Embratur é o melhor emprego da sua vida?

Essa é a opinião da minha família. Dei aula por 20 anos. A melhor profissão da minha vida foi a sala de aula. O Rio é um lugar espetacular, mas cheio de desafios. Presidi a CPI das milícias, que me custou muito, mas era o que tinha que ser feito. Trabalhei com direitos humanos a vida inteira, dei aula em prisões e favelas. No turismo, continuo nesses temas: ao desenvolver o afroturismo ou atuar com quilombos e populações tradicionais, geramos emprego, renda e autoestima. A diferença é que na segurança o trabalho é reativo; no turismo, é propositivo, alegre, faz bem.

Qual é a linha mestra da sua gestão na Embratur?

Lula se importou muito com o que aconteceu no governo passado, uma imagem muito negativa do Brasil, seja diante da questão ambiental, seja pelas relações diplomáticas. Criamos um centro de inteligência de dados: todas as decisões são baseadas em informações sobre destinos, mercados e rotas, em parceria com a USP. Isso fez a gente melhorar a conexão aérea, bater recordes e ampliar o diálogo com estados e municípios.

Quais são os países mais importantes na emissão de turistas para o Brasil?

O principal público é o argentino. Isso tem a ver com a proximidade e com o padrão global: turistas viajam, em média, até cinco horas de voo. No Brasil, você não cruza o país em cinco horas. Ano passado foi recorde: 1,9 milhão de argentinos. Em setembro deste ano, já tínhamos 2,6 milhões, um crescimento de 94%. O segundo é o Chile, com alta de 33%. Os EUA vêm em seguida, crescendo 17%. Na Europa, o principal emissor é a França, seguida por Portugal, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália.

O dano diplomático entre Brasil e França está resolvido?

Depois das fotos “instagramáveis” do Macron com o Lula, acho que está mais do que resolvido. As relações estavam estremecidas por motivos toscos, de falta de educação, não diplomáticos. Fizemos uma agenda intensa: Lula foi à França, Macron veio, a Torre Eiffel ficou verde e amarela, tivemos o Ano França-Brasil, trouxemos jornalistas franceses em fevereiro de 2023 para o Carnaval. O número de franceses cresceu 25% desde então.

O Brasil bateu recorde em 2024 com mais de US$ 7 bilhões gastos por turistas estrangeiros, e em 2025 os números continuam crescendo.

O recorde anterior era de 2014, na Copa do Mundo, US$ 6,8 bilhões. Em 2023, batemos: US$ 6,9 bilhões. Em 2024, 7,3 bilhões, e em 2025 devemos ultrapassar US$ 8 bilhões. O turista internacional gasta mais porque fica mais tempo (em média 20 a 30 dias) e o câmbio favorece.

A insegurança no Brasil ainda afasta o turismo?

O México tem crime organizado e tem turismo. A Colômbia também. Claro que os problemas de segurança prejudicam. Mas quando transformo um lugar em destino turístico, gero circulação, emprego, renda e, com isso, mais segurança.

Já teve uma época que você teve um desejo de ser prefeito do Rio de Janeiro. Isso é um sonho que está arquivado?

Nunca foi um sonho individual, porque eu tenho uma paixão muito grande pelo Rio e pelos desafios que o Rio colocou para a minha vida. Eu fui um moleque pobre da periferia de Niterói. Nunca imaginei que fosse chegar aonde cheguei. O Rio me deu muita coisa. Tenho sempre a sensação de que é um lugar do qual não posso desistir ou abrir mão. Disputei duas vezes a prefeitura, em 2012 e 2016. Depois o Brasil entrou para um lugar complicado. O Rio virou berço de um bolsonarismo miliciano muito violento. Onde não se separa mais crime e política. Se o Rio voltar a ter uma normalidade, de se disputar projetos de cidade, e se eu não tiver muito velho, pode ser. Mas só se for coletivo.

O assassinato de Marielle Franco ainda surge nas conversas internacionais sobre o Brasil? Como essa memória, pessoal e política, influencia a forma como você apresenta o país ao mundo?

Marielle trabalhou comigo por dez anos. Não perdi uma assessora — perdi uma pessoa da vida. Ela foi vereadora por um ano e brutalmente assassinada. O Brasil era um país intranquilo politicamente, que enfrentou uma tentativa de golpe e a execução de uma vereadora. A forma como reagimos a essas coisas conta muito na imagem que o Brasil constrói sobre si. Hoje, a imagem do país enquanto democracia é mais sólida do que em qualquer outra época, porque reagimos ao golpe e reagimos à morte da Marielle — pela sociedade civil, que lotou as ruas, e pelas instituições. O Brasil hoje é muito mais um Brasil da Marielle do que dos seus algozes: um país capaz de produzir uma Marielle, reagir à sua morte e prender seus assassinos.