O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez, nesta terça-feira, 4, sobre a megaoperação contra o Comando Vermelho deflagrada na semana passada no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos. Lula classificou a ação policial como “desastrosa” e usou a expressão “matança” para designá-la. Ele disse que o governo federal pretende investigar a forma como as polícias do Rio, subordinadas ao governador de oposição Cláudio Castro (PL), agiu nos complexos de favelas da Penha e do Alemão.

A declaração de Lula, em uma entrevista a correspondentes da imprensa internacional em Belém, ocorre após um período de maturação que exigiu muito cálculo por parte do governo, principalmente depois da repercussão negativa da declaração do presidente que tratou traficantes como vítimas dos usuários. Antes da entrevista desta terça, Lula só havia se manifestado sobre a operação por meio de um post publicado nas redes sociais.

Mesmo consciente da sensibilidade do tema e do potencial de repercussão negativa da declaração, o entorno de Lula avalia que o tom de desaprovação adotado por ele nesta terça foi acertado e necessário. “Ele não poderia deixar de falar considerando a origem dele, de esquerda”, diz um interlocutor.

Desde que Lula tomou conhecimento da operação, os passos dele sobre o tema segurança pública têm sido meticulosamente calculados. O staff da Presidência já calculava que, na entrevista em Belém, viriam perguntas a respeito do que ocorreu no Rio – e o próprio presidenteteria que saber até onde provocar ou recuar. Não poderia parecer omisso nem beligerante demais, avalia uma fonte.

“Saiu do armário”
A declaração de Lula teve reação imediata entre parlamentares de oposição. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), disse que o presidente “saiu do armário” sobre a questão da segurança e realçou o fato de o presidente não ter mencionado os policiais mortos na operação. “Não falou nada dos quatro policiais mortos na operação”, disse o deputado. “PT Partido dos Traficantes”, emendou em uma postagem nas redes. A estratégia da direita no Congresso é associar a imagem de Lula e do PT aos criminosos.

O líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), se disse revoltado ao ver o presidente chamando a operação de “matança” e indicou que Lula, com isso, ataca os policiais. “É revoltante ver Lula chamar de ‘matança’ a Operação Contenção, que enfrentou o crime organizado e salvou vidas no Rio de Janeiro. Enquanto o governador Cláudio Castro reconhece o sucesso da ação, o presidente prefere atacar os policiais que arriscam tudo para proteger o cidadão de bem. Isso só faz enfraquecer as forças de segurança e passa a mensagem errada de que o Estado deve recuar para o crime”, afirmou Zucco.

“Matança” e “ação desastrosa”
Na entrevista em Belém, Lula não poupou críticas à operação. “O dado concreto é que a operação, do ponto de vista da quantidade de mortes, as pessoas podem considerar um sucesso, mas do ponto de vista da ação do Estado, eu acho que ela foi desastrosa”, afirmou.

O presidente enfatizou a necessidade de uma investigação sobre a ação policial e condenou o alto número de mortes. “Vamos ver se a gente consegue fazer essa investigação porque a decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança e houve uma matança. Acho que é importante a gente verificar em que condições ela se deu”, disse.

Lula afirmou que pretende engajar a Polícia Federal na investigação sobre a operação: “Estamos tentando ver se é possível os legistas da Polícia Federal participarem do processo de investigação da morte, como é que foi feito, porque tem muitos discursos, tem muita coisa”.

Ele ainda levantou suspeitas sobre o discurso adotado pelo governo do Rio e pelas forças de segurança locais. “Eu acho que é importante a gente verificar em que condições ela [a operação] se deu, porque até agora nós temos uma versão contada pela polícia, contada pelo governo do estado e tem gente que quer saber se tudo aquilo aconteceu do jeito que eles falam ou se teve alguma coisa mais delicada na operação”, disse Lula.

Horas depois da entrevista em Belém, o presidente fez uma postagem nas redes, desta vez em tom bem mais comedido, para tratar do combate às facções criminosas. “O governo do Brasil está atuando para quebrar a espinha dorsal do tráfico de drogas e do crime organizado. Com mais inteligência, integração entre as forças de segurança e foco nos cabeças do crime — quem financia e comanda as facções”, escreveu, para em seguida elencar números. “Desde 2023, as ações do governo já retiraram R$ 19,8 bilhões das mãos de criminosos, o maior prejuízo já imposto ao crime, enfraquecendo lideranças e redes financeiras.”