A estratégia fiscal da primeira metade do mandato do presidente Lula de priorizar a elevação das receitas foi impulsionada, em 2024, pelo crescimento da economia e por aumentos de impostos propostos pela equipe econômica e aprovados pelo Congresso. Agora, porém, no biênio final da gestão atual, com expectativa de desaceleração do nível de atividade em 2025, alta dos juros e sem espaço político para mexer na estrutura do gasto público, a equipe econômica está numa encruzilhada - e isso ocorre num momento de antecipação da disputa eleitoral de 2026.
A arrecadação federal bateu recorde histórico em 2024, segundo dados divulgados pela Receita Federal, alcançando R$ 2,65 trilhões. Esse total, que representa um crescimento de 9,6% acima da inflação, teve impulso de medidas como a tributação de fundos exclusivos, voltados para pessoas físicas e empresas que investem, no mínimo R$ 10 milhões, e das aplicações em fundos em outros países (offshores).
Somente os fundos exclusivos responderam por R$ 13 bilhões em arrecadação em 2024 e os offshores, por mais R$ 7,67 bilhões. Dinheiro que não pingaria nos cofres públicos não fosse a aprovação, pelo Congresso Nacional, no final de 2023, de um projeto de lei alterando a taxação dessas aplicações.
Para o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, essa foi “uma medida de justiça fiscal na veia”, já que esses fundos voltados para a alta renda “passaram a recolher imposto de renda como a classe média”. Além das novas receitas, o desempenho da economia turbinou a arrecadação federal, de acordo com o secretário. E isso ajudou o governo no compromisso de equilibrar as contas públicas. O dado fechado do resultado primário em 2024 ainda não foi divulgado oficialmente.
Em 2025, no entanto, o cenário será invertido e, além de uma redução no ritmo do crescimento econômico, há incertezas no front externo que complicam o desempenho econômico, e não há perspectivas de ganhos extraordinários de arrecadação. A previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) feita pelo mercado financeiro para este ano é de 2,06% ante os 3,3% que o governo estimou para 2024. Para 2026, espera-se 1,72%.
Essa redução no nível de atividade é projetada diante da necessidade de segurar a alta dos preços. Em 2024, o IPCA, índice oficial de inflação, fechou em 4,83%, acima do teto da meta, de 4,5%. Neste ano, as projeções apontam alta ainda maior: 5,5%. E, para 2026, 4,22%. O descontrole nos preços é o que tem feito o Banco Central elevar os juros.
No final de 2024, os diretores do BC que integram o Copom (Comitê de Política Monetária), elevaram a taxa Selic, que é referência para a economia, em 1 ponto percentual e prometeram mais duas altas de mesma magnitude neste início de 2025. A primeira é esperada para ser anunciada nesta quarta-feira, 29. Desde esta terça-feira, 28, os integrantes do Copom debatem o cenário econômico antes de tomar uma decisão. É a primeira reunião na gestão de Gabriel Galípolo à frente do BC. Os juros são o principal instrumento de que o Banco Central dispõe para controlar a inflação.
Inflação dos alimentos
Além de fatores climáticos e externos que afetaram os preços dos alimentos e puxaram o IPCA para cima em 2024, há uma dificuldade da equipe econômica do governo para gerenciar expectativas. E isso vem, em grande parte, da percepção do mercado de que o governo não está disposto a garantir um ajuste fiscal mais forte para tentar controlar os preços e o câmbio, revertendo, com isso, o quadro atual de alta de juros.
Nos últimos dois anos, o ministro Fernando Haddad conseguiu gerenciar as expectativas do mercado justamente pelo esforço de aumento de arrecadação. Com mais dinheiro em caixa, seria possível manter as contas públicas sob controle, seguindo as regras do arcabouço fiscal anunciadas no início da gestão Lula.
Os dados da Receita mostram que a arrecadação veio. Só que para o mercado, “foi-se até onde era possível”, conforme destacou o economista Sérgio Vale, da MB Associados, em conversa com o PlatôBR. Agora, a avaliação é que não há mais como garantir o ajuste via arrecadação. Restaria equilibrar o fiscal pelo lado do gasto. Porém, isso vem se mostrando inviável com a antecipação da disputa eleitoral de 2026 já neste início de ano e, sobretudo, com a sinalização do governo de que a equipe econômica - em especial, o ministro Haddad - não terá, nesta reta final do mandato de Lula, a força interna que demonstrava ter nos dois últimos anos.
E essa impressão aumentou no final do ano, fazendo com que muitos analistas e investidores que apostavam na força do ministro dentro do governo perdessem essa confiança. Nas últimas semanas, o debate sobre medidas para controlar a alta de preços dos alimentos, protagonizada pelo ministro Rui Costa (Casa Civil) só reforçou essa percepção no mercado.
Para Vale, “obviamente (Haddad) não vai sair, vai continuar ministro”, mas não conseguirá fazer muita coisa. “Não tem força política interna dentro do governo e, também, o Congresso não vai estar disposto a fazer mudanças radicais a essa altura”. Para completar, o crescimento econômico no Brasil e em boa parte do mundo deverá ser menor, desafiando ainda mais o governo.