Entre taças de vinho e postas de bacalhau, a crise entre o Planalto e o Congresso em torno do decreto do IOF arrefeceu graças a conversas de pé de ouvido travadas do outro lado do Atlântico, em Lisboa, durante o encontro anual promovido pelo ministro Gilmar Mendes.
Ministros do Supremo, entre eles o próprio Gilmar, Alexandre de Moraes, relator dos recursos que tratam o tema, e o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, conversaram com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e com outras lideranças do Parlamento nos encontros em torno do evento e defenderam um freio de arrumação na confusão.
Também sinalizaram a disposição do STF de buscar uma solução negociada, de forma a não restarem perdedores ou vencedores.
Barroso, por exemplo, lembrou nessas conversas que foi assim, negociando, que a corte resolveu impasses rumorosos recentes, como a barulhenta briga judicial entre a holding da JBS e a Paper Excellence, a questão das câmeras nas fardas dos policiais militares de São Paulo e as controvérsias sobre a tragédia de Mariana. Também tem sido assim, mas ainda sem sucesso, que a corte vem tentando solucionar a celeuma das emendas parlamentares.
As conversas em Lisboa sobre a crise do IOF tiveram início ainda na terça-feira, antes de Alexandre de Moraes determinar liminarmente a suspensão tanto do decreto do presidente Lula quanto do decreto legislativo que o sustou — uma decisão, em si, alinhada com o espírito da solução proposta pelos ministros, a ponto de ser elogiada publicamente pelo próprio Motta. Moraes marcou, para o próximo dia 15, uma audiência de conciliação no STF com as partes envolvidas.
Entre Motta e Moraes, uma das conversas durou nada menos que duas horas.
“A decisão do ministro Alexandre de Moraes evita o aumento do IOF em sintonia com o desejo da maioria do plenário da Câmara dos Deputados e da sociedade. Continuamos abertos ao diálogo institucional, com respeito e serenidade, sempre em busca do equilíbrio das contas públicas e do crescimento sustentável da economia”, escreveu o presidente da Câmara nas redes sociais logo após a divulgação do despacho de Moraes.
Já como reflexo do movimento para estancar a crise, Motta havia decidido que, durante a passagem por Lisboa, não seguiria medindo forças publicamente com o governo em geral e com Lula, em particular, sobre o tema. Até seu antecessor no posto, Arthur Lira, conhecido por seu pendor para comprar brigas com o Planalto, já havia defendido dar passos atrás na crise. Lira também participou das conversas, assim como o advogado-geral da União, Jorge Messias, que assinou a ação do governo para tentar derrubar a decisão do Congresso.
Gilmar, desde o começo, defendeu mais diálogo. Ainda no meio da semana, disse que a crise era só a “ponta do iceberg”, reflexo da falta de coordenação entre os poderes. Também em Lisboa, Flávio Dino, ex-ministro de Lula que chegou a dizer na capital portuguesa que “até um aluno de Direito resolveria o imbróglio”, indicando entender que na Constituição está claro que cabe ao Executivo decidir sobre impostos, defendeu que primeiro era preciso tentar uma conciliação.
Ainda que consiga uma saída negociada para o IOF, o movimento do Supremo, porém, não é garantia de que a tensão política entre governo e Congresso irá tornar a atmosfera de Brasília mais leve no horizonte próximo. Muito pelo contrário. Tanto na Câmara quanto quanto no Senado, a irritação ainda é grande com a opção do Planalto de politizar o embate dizendo que os congressistas estão operando a favor dos ricos — o que Hugo Motta chamou, dias atrás, de “polarização social”. A costura suprema está feita e pode ajudar, mas os próximos capítulos da confusão prometem.