No terceiro andar do anexo II do STF (Supremo Tribunal Federal), o primeiro dia do julgamento de Jair Bolsonaro e dos outros sete acusados de golpe de Estado seguiu o roteiro previsto. O plenário estava lotado nas sete horas de duração das duas sessões, uma pela manhã e outra à tarde. O ex-presidente não compareceu. O único réu do “núcleo 1” presente foi o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
O ministro Alexandre de Moraes começou a apresentação pouco depois das 9 horas. O relator recheou de recados a leitura do resumo do processo, para os réus e para os que agem contra o julgamento. Em vários momentos, usou o termo “covarde” ao tratar dos fatos.
Moraes disse que uma “verdadeira organização criminosa” passou a atuar de forma “traiçoeira” para “tentar coagir” e “submeter o funcionamento” do STF ao “crivo de outro Estado estrangeiro”. A fala foi referência explícita às pressões feitas pelo governo dos Estados Unidos, em sintonia com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. Em outro momento, Moraes elevou o tom e avisou que “não faltará coragem ao STF” para decidir sobre o caso.
Em seguida, foi a vez do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Ele leu a denúncia e pediu a condenação dos réus. Destacou em sua fala o papel dos integrantes do governo Bolsonaro que agiram por um “autogolpe” para tentar permanecer no poder. Segundo ele, “o golpe tentado não se consumou pela fidelidade dos comandos do Exercido e Aeronáutica”.
Na segunda sessão, depois do intervalo de almoço, os advogados iniciaram as alegações finais. Falaram os defensores de quatro réus. Nas sustentações orais, todos negaram crimes, apontaram fraqueza das provas e falta de indicação de responsabilidade nos atos. Alguns questionaram a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A delação é um dos pontos contestados pela maioria dos réus para tentar absolvição ou redução das penas.
Demóstenes Torres, advogado do ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier, negou que o cliente tenha “colocado a tropa” a serviço de golpe, rechaçou acusações de crimes e questionou a validade das provas. Cézar Bitencourt, defensor de Cid, afirmou que as revelações do cliente ajudaram a PGR a incriminar os réus. Porém, sustentou que o ex-braço-direito de Bolsonaro não teve envolvimento nos crimes. Ao ouvir essa alegação, outro advogado brincou que o colega tinha inovado ao criar a figura do “delator inocente”.

O ministro Luiz Fux na sessão do STF do julgamento de Bolsonaro pela trama golpista
A esperança das defesas
Durante as duas sessões, o comportamento do ministro Luiz Fux foi observado com atenção especial pelas defesas. Por sua atuação durante o processo, ele é uma esperança para os advogados de voto divergente em relação aos outros integrantes da turma, o que pode beneficiar os réus.
As posições de Fux nas fases anteriores mereceram até um registro de Moraes na fala inicial. Ao falar dos depoimentos dos réus, o relator lembrou da “honrosa participação” do colega nas audiências, único que acompanhou as audiências de todos os réus.
No primeiro dia do julgamento, Fux anotou e folheou um calhamaço que levou para o plenário e foi o único dos ministros a questionar os advogados em suas sustentações orais. Nenhum outro integrante da turma demonstrou tanta atenção com detalhes quanto ele.
Fux interrompeu, por exemplo, a apresentação de outro advogado de Mauro Cid, Jair Alves Ferreira, que dividiu o tempo com Bitencourt. “O senhor era chamado pela PF para esclarecer fatos?”, perguntou Fux. Segundo o defensor, foram três dias de depoimentos na Polícia Federal. Em outras visitas, o delator foi a pedido dos delegados, para reconhecer fatos e pessoas. “Então eles chamavam”, observou Fux, enquanto anotava nos papéis sobre a mesa.
A preocupação do ministro com esse tipo de minúcia provocou curiosidades sobre seus objetivos. Talvez no voto as dúvidas sejam esclarecidas.