Morreu na manhã desta segunda-feira, 21, aos 88 anos, Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Ao longo de 12 anos de pontificado, Francisco conseguiu colocar a Igreja Católica de fato no século XXI — fez muito, ainda que não tenha conseguido fazer tudo o que desejava. O Vaticano confirmou que ele morreu às 2h35 no horário de Brasília (7h35 em Roma).
Francisco foi um dos papas mais transformadores da história recente. O primeiro latino-americano, o primeiro jesuíta e o primeiro a adotar o nome de Francisco, Bergoglio assumiu em 2013 a missão de enfrentar os escândalos sexuais, os crimes financeiros e a perda de fiéis, especialmente nas Américas. Desde o início, mostrou-se um líder disposto a encarar os desafios contemporâneos com coragem e humildade.
O comunicado oficial do Vaticano, divulgado poucas horas após sua morte, expressou o pesar da Igreja e destacou seu legado espiritual:
"O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja. Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino."

Papa Francisco/Foto: L'Osservatore Romano
A última aparição pública de Francisco foi ontem, quando abençoou dezenas de milhares de fiéis reunidos na Praça São Pedro para a missa de Páscoa. De uma cadeira de rodas, no balcão da Basílica de São Pedro, acenou e desejou à multidão uma “feliz Páscoa”. Mais cedo, havia se encontrado brevemente com o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, em uma visita descrita pelo Vaticano como “breve”.
A saúde de Francisco era motivo de preocupação havia anos. Ainda jovem, aos 21 anos, perdeu parte do pulmão direito por causa de uma grave pneumonia. Mais recentemente, sofria de dores no quadril, artrose nos joelhos e problemas nas costas, que comprometeram sua mobilidade. Em julho de 2021, passou por uma cirurgia que retirou 33 cm do intestino grosso, em decorrência de uma diverticulite.
No final de 2022, chegou a revelar que havia assinado uma carta de renúncia há cerca de uma década, caso sua saúde o impedisse de continuar no pontificado. Em junho de 2023, passou por uma nova cirurgia, desta vez de três horas, considerada bem-sucedida. Mas nos últimos dias, seu quadro clínico se agravou. Internado no Hospital Agostino Gemelli, em Roma, foi diagnosticado com uma infecção polibacteriana nas vias respiratórias em 17 de fevereiro de 2025 e, dois dias depois, com pneumonia nos dois pulmões. No sábado, 22, sofreu uma crise respiratória asmática prolongada, necessitando de oxigênio em altas taxas e transfusão de sangue.
Os cardeais que agora se reúnem para escolher o sucessor de Francisco enfrentarão uma decisão crítica: seguir o caminho por ele iniciado — de uma Igreja mais acolhedora, global e colegiada — ou restaurar a abordagem mais doutrinária e tradicional de seus predecessores. Esse será o centro de intensos debates, já que Francisco deixa para trás um legado complexo.

Papa Francisco / Foto: L'Osservatore Romano
A expectativa inicial de que o chamado “efeito Francisco” traria os fiéis de volta às igrejas não se concretizou de maneira significativa. A frequência caiu no Ocidente secularizado, mesmo com o crescimento da Igreja no Sul global.
Francisco deu passos importantes no enfrentamento à crise de abusos sexuais e no combate à cultura financeira opaca da Santa Sé, mas o rumo que traçou para o futuro da Igreja será, provavelmente, o ponto mais controverso. Sua disposição em debater temas como divórcio, ordenação de padres casados, acolhimento de casais homoafetivos e maior protagonismo das mulheres animou católicos progressistas após mais de três décadas de papados conservadores. Ainda assim, muitos criticaram o ritmo das mudanças ou afirmaram que ele apenas iniciou processos que poderiam ser revertidos por um sucessor menos reformista. Outros o acusaram de diluir a doutrina da Igreja.
Em muitos aspectos, Francisco procurou alterar o curso seguido por Bento XVI e João Paulo II. Mesmo tendo canonizado João Paulo II, o próprio Francisco viu sua imagem ser duramente questionada em um relatório do Vaticano que expôs sua cegueira diante dos casos de abuso sexual. Francisco procurou reparar esse histórico e abrir espaço para o diálogo e para a pluralidade de ideias em uma Igreja que, por décadas, suprimiu a dissidência.

Papa Francisco / Foto: L'Osservatore Romano
Isso não significa que tenha sido um líder fraco. Afastou ou isolou autoridades conservadoras que resistiam às suas propostas, inclusive o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, o principal órgão doutrinário do Vaticano.
Após declarações de Bento XVI que irritaram o mundo islâmico, Francisco buscou ativamente o diálogo com líderes muçulmanos — muitas vezes em regiões onde os próprios católicos viviam sob ameaça. Assinou acordos importantes com autoridades espirituais islâmicas para garantir o respeito mútuo e a proteção das minorias católicas vulneráveis.
Mesmo assim, todos os esforços diplomáticos e viagens internacionais de Francisco talvez tenham sido menos significativos, em longo prazo, do que a transformação interna que promoveu na própria estrutura da Igreja. Ele criou milhares de bispos e nomeou mais da metade do atual Colégio de Cardeais, escolhendo frequentemente religiosos alinhados com sua visão pastoral: proximidade com os pobres, acolhimento dos marginalizados e prioridade a temas como a mudança climática.