História se faz com fatos concretos que vão além de conversas. Por enquanto, o saldo das negociações da equipe econômica com a cúpula e os líderes do Congresso Nacional contabiliza fotos, declarações empolgadas sobre encontros históricos e a troca da alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pela elevação de outros impostos com o mesmo objetivo de curto prazo: cobrir parte do rombo nas contas públicas em 2025 e 2026. O avanço em uma agenda estruturante que mergulhe na composição dos gastos públicos, promova mudanças efetivas e permita reverter o crescimento da dívida pública, importante para assegurar desenvolvimento econômico, ainda está no campo das promessas e insinuações.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que o debate do gasto primário será feito por uma comissão de líderes no Congresso Nacional e que, para isso, Executivo e Legislativo farão um “inventário” de tudo o que já foi encaminhado e que ficou engavetado no Congresso para ser reavaliado. “Vamos aguardar uma próxima reunião para saber: daquilo que já foi encaminhado, daquilo que não foi apreciado, que foi rejeitado, quais são as possiblidades de voltar para mesa para negociar”, argumentou.
Esse desenho busca evitar enfrentamentos com o Congresso e derrotas para o governo em um tema sensível e caro para o governo: o equilíbrio das contas públicas que viabilize gastos e investimentos, sobretudo, em 2026, ano de sucessão presidencial. O próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) declarou após o encontro entre governo e parlamentares que não garantia de aprovação de nada, o que foi interpretado por Haddad como “uma fala de prudência”, já que os líderes que participaram do encontro com a equipe econômica precisam negociar com as respectivas bancadas. “Agora, qual medida da Fazenda que não foi aprovada depois de uma negociação?”, questionou o ministro, em uma insinuação otimista de que conseguirá votos dos parlamentares para aprovar as medidas necessárias.
Para abrir mão do dinheiro que seria arrecadado este ano e em 2026 com a alta do IOF em várias transações financeiras, entre elas, algumas operações específicas de antecipação de recebíveis do setor varejista (risco sacado), a equipe econômica contará com um combinado de alta do IR (Imposto de Renda) sobre aplicações financeiras, sobre títulos de crédito que eram isentos (LCI e LCA) e no pagamento de JCP (Juros sobre Capital Próprio) com aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) dos bancos e fintechs, taxação das apostas esportivas (Bets) e um abate de 10% no gasto tributário.
O quanto isso irá gerar em arrecadação adicional para cobrir o buraco deixado pelo recuo na medida do IOF ainda não está claro. “Eles estão fechando os cálculos para mandar para lá. O importante é o seguinte: essas medidas atingem os moradores de cobertura, porque é só gente que tem muita isenção fiscal”, defende o ministro. A equipe econômica calcula uma arrecadação extra de cerca de R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões, em 2026, somente com a alta do IOF.
A forte resistência do meio político e produtivo com a medida, porém, abriu uma crise entre Executivo e Legislativo que desaguou numa promessa de conciliação em torno de uma agenda de país que contemplasse medidas estruturantes e evitasse alta isolada de impostos. Na prática, a sinalização foi de uma união para enfrentar temas polêmicos e evitar que as despesas públicas sigam crescendo em velocidade muito maior do que as receitas. Praticamente, uma segunda tentativa de avançar no debate fiscal, retomando, inclusive, propostas descartadas no final do ano passado. Mas o viés puramente arrecadatório ainda segue dando a tônica, deixando em segundo plano o debate os gastos estruturantes.
Medidas negociadas
Entenda as principais medidas negociadas até agora:
– Cobrança de 5% de IR sobre títulos que eram isentos, como LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e LCA (Letras de Crédito do Agronegócio). Os papéis são usados para captar recursos para aplicação nos respectivos setores;
– A alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) que incide sobre bancos e fintechs deve subir de 9% para algo entre 15% e 20%. Cobrada sobre o lucro de empresas que operam no Brasil, a CSLL financia os gastos com seguridade social (aposentadorias e pensões, assistência social e saúde pública);
– Elevação da taxação do ganho das Bets com apostas esportivas de 12% para 18%;
– Aumento de 15% para 20% da tributação dos juros sobre capital próprio (JCP), uma forma de as empresas remunerarem seus acionistas;
– redução de cerca de 10% do gasto tributário infraconstitucional (renúncia de receitas pelo governo federal por meio da concessão de benefícios fiscais, isenções, incentivos ou reduções de alíquotas que não estão previstas na Constituição, mas em leis ordinárias, decretos e portarias)