JACARTA – De um jeito diferente, a política dos “campeões nacionais” está de volta, com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pegando pela mão grandes empresas nacionais e ajudando-as a ampliar seus negócios no exterior.
Foi esse, pelo menos, o espírito predominante na cerimônia em que o brasileiro foi recebido no palácio presidencial da Indonésia, em Jacarta, pelo presidente Prabowo Subianto. Como indicou o PlatôBR na véspera, depois de Lula e do anfitrião o protagonismo da solenidade ficou por conta dos irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da J&F, a holding sob a qual está a JBS, maior produtora de proteína animal do planeta, fundada há pouco mais de sete décadas em Goiás.
Os irmãos estiveram no centro de casos rumorosos na história recente do país, especialmente no governo de Michel Temer, passaram em seguida por um longo período de discrição e há dois anos começaram a retornar à ribalta nas relações com o mundo da política. Nesta quinta-feira, 23, eles foram os únicos empresários brasileiros a ter assento nos encontros solenes oficiais em Jacarta com o presidente indonésio, ao lado de ministros e outras autoridades dos dois governos.
E mais: entre os vários memorandos assinados com a Indonésia e apresentados com pompa na cerimônia de recepção a Lula no palácio do governo, sob as vistas do presidente brasileiro e de Subianto, três foram firmados diretamente pelas empresas da família Batista com o país asiático. A assinatura desses atos ocorreu junto com os demais que foram negociados entre o governo brasileiro e o governo indonésio, em diversas áreas – agricultura, ciência e tecnologia e minas e energia, entre outras.
A JBS irá montar, em parceria com o fundo soberano da Indonésia, uma grande operação no país do sudeste asiático que tende a transformá-la, em pouco tempo, na maior produtora e fornecedora de proteína animal do arquipélago – um passo dado com as bênçãos do governo Lula, de quem os irmãos Batista se reaproximaram desde o início do atual mandato do petista.
O plano é expandir a oferta de carnes pela JBS no país para muito além do que ela já tem atualmente, avançando para uma produção local em larga escala e aproveitando para usar também a planta industrial que a companhia brasileira já possui na Austrália, país próximo do arquipélago indonésio.
“A Austrália exporta 500, 600 mil cabeças por ano de gado vivo para cá. O Brasil, não. A Austrália é mais próxima daqui. E nós temos uma plataforma aqui próximo, uma plataforma importante para nós, que é a plataforma nossa da Austrália. Então, a gente pretende aproveitar a plataforma para fazer uma extensão do que nós temos na Austrália para o sudeste asiático”, disse Wesley Batista ao PlatôBR ainda no palácio presidencial, demonstrando entusiasmo com o novo passo em um dos países mais populosos do planeta. “Quando você olha essa região, tem 700 milhões de habitantes”, emendou, realçando o tamanho do mercado que agora se abre, de forma ainda mais escancarada.
Protagonismo explícito
Coube ao próprio Wesley Batista assinar a parceria com os indonésios durante a cerimônia, assim como fizeram, cada um em sua área, os ministros de Lula e de Subianto. Joesley, igualmente acomodado entre os ministros e quase sempre de sorriso aberto, aplaudiu. Pouco antes, em uma reunião liderada pelos dois presidentes e da qual participaram apenas autoridades de alto escalão dos dois governos, lá estavam eles também, sentados na ponta da mesa em um dos salões do Merdeka, o palácio de Subianto.
Outro acordo firmado pelo grupo dos irmãos Batista nesta quinta em Jacarta prevê uma parceria da Âmbar, empresa de energia da holding J&F, com o governo da Indonésia. Esse, especificamente, foi assinado pelo executivo José Carlos Grubisich, ex-presidente da Braskem que chegou a ser preso nos Estados Unidos no curso das investigações sobre a Odebrecht, da qual a empresa era subsidiária. Grubisich foi contratado pelos irmãos Batista e ficará responsável por tocar a operação no sudeste asiático.
Esta nova viagem de Lula à Ásia, a quarta do atual mandato, tem por objetivo justamente ampliar os mercados para as empresas brasileiras em uma região que cresce economicamente a passos largos e é tida como um mercado estratégico pelas potências mundiais.
Não é a primeira vez que a exportação de proteínas ganha destaque especial na agenda do presidente da República. Na viagem que fez ao Japão e ao Vietnã, no primeiro semestre deste ano, Lula priorizou negociações para liberar barreiras sanitárias impostas pelos países para a importação de carne de frigoríficos brasileiros – uma pauta de interesse direto da JBS, que àquela altura também tinha executivos seus entre os integrantes da comitiva.
‘Campeões 3.0’
Em seus dois primeiros mandatos (2003-2006 e 2007-2010), Lula pôs em curso a chamada política dos “campeões nacionais”, que tinha o objetivo expresso de ajudar empresas brasileiras a se tornarem grandes no mercado internacional, em muitos casos com financiamento facilitado pelo governo federal.
A JBS foi uma das beneficiárias e esse empurrão acabou sendo determinante para a expansão do grupo familiar fundado em meados do século passado pelo pai de Joesley e Wesley, José Batista Sobrinho. Nesta quinta, indagado se a companhia estaria de novo ganhando um empurrão de Lula com uma versão revisitada da política dos “campeões”, Wesley Batista negou. “Não necessariamente tem a ver com nada de governo do lado brasileiro”, desconversou o empresário, com o argumento de que os acordos assinados foram negociados diretamente com os indonésios. “O governo local quer desenvolver a indústria local”, disse.
Nas conversas com o governo de Prabowo Subianto, Lula costurou mais negócios que devem beneficiar outras empresas brasileiras, entre elas a Embraer, com o possível fornecimento de aviões civis e militares ao país. A Força Aérea da Indonésia já tem aviões de caça Super-Tucanos fabricados pela empresa brasileira e tem interesse de aumentar a frota. Também há possibilidade de comprar jatos para uso civil. As negociações estão em curso.
Honras de Estado
Lula foi recebido pela manhã no palácio presidencial em Jacarta com pompa e circunstância. Chegou ladeado por uma guarnição da cavalaria das Forças Armadas indonésias especialmente trajada para ocasiões especiais e passou tropas em revista. O governo local levou para a cerimônia representantes de comunidades tradicionais do arquipélago. Mais de uma centena de estudantes de escolas públicas de Jacarta agitavam bandeirinhas do Brasil e da Indonésia. Depois, o presidente teve conversas reservadas com Subianto no interior do palácio, cujos salões suntuosos revestidos em mármore são decorados por lustres de cristal e adornos dourados. O encontro a sós com líder indonésio duraria meia hora e acabou se estendendo para o triplo do tempo previsto.
Quando os dois apareceram para fazer uma declaração conjunta à imprensa, Lula surpreendeu ao improvisar e disse – pela primeira vez sem qualquer ressalva – que será candidato à reeleição no ano que vem. “Vou disputar o quarto mandato no Brasil”, afirmou, arrancando aplausos efusivos de Subianto e dos demais presentes. Até então, Lula tratava da possibilidade de candidatura sempre na condicional, dizendo que tudo irá depender de como estará sua saúde, por exemplo.
Trump e temas sensíveis
Embora esteja buscando superar a crise aberta com o governo de Donald Trump, na mesma declaração à imprensa o presidente brasileiro tocou em temas que costumam desagradar o norte-americano e seu governo. Na presidência temporária do Brics, o grupo de países em desenvolvimento que busca fazer frente à hegemonia dos Estados Unidos na política global, ele enalteceu a importância do alinhamento entre as nações do chamado “Sul Global” para enfrentar desafios comuns do atual cenário geopolítico – ainda que indiretamente, Lula mencionou o aumento de tarifas imposto por Trump a vários países, incluindo o Brasil e a própria Indonésia.
O presidente brasileiro ainda passou por outro assunto que incomoda o governo norte-americano: o plano de países dos Brics de fazer negócios entre si nas próprias moedas, driblando o dólar nas transações. “O que está acontecendo nesse momento na política e na economia demonstra que, cada vez mais, nós precisamos discutir as similaridades que existem entre os nossos dois países para que a gente possa, cada vez mais, fazer crescer a nossa relação comercial, a nossa relação científica e tecnológica, a nossa relação cultural, a nossa relação política, para que, cada vez mais, a gente seja menos dependente”, declarou.
“Nós queremos multilateralismo e não unilateralismo. Nós queremos democracia comercial e não protecionismo”, afirmou Lula na sequência. “Indonésia e Brasil não querem uma segunda Guerra Fria. Nós queremos comércio livre. E, mais ainda: tanto a Indonésia quanto o Brasil têm interesse em discutir a possibilidade de comercialização entre nós dois ser com as nossas moedas. Essa é uma coisa que nós precisamos mudar”, disse.
Encontro na Malásia
As declarações foram feitas num momento em que o Planalto e a Casa Branca trabalham intensamente para que Lula e Trump se encontrem ainda durante esta viagem do presidente brasileiro à Ásia. Os dois são convidados da reunião de cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático, que ocorrerá a partir do fim de semana em Kuala Lumpur, capital da Malásia, para onde Lula seguirá assim que deixar Jacarta nesta sexta-feira, 24.
Tudo está ajustado para que a reunião aconteça no domingo, 27. O governo brasileiro evita confirmar oficialmente porque sempre existe a possibilidade de mudanças nos planos, especialmente em se tratando de Trump. Como o PlatôBR informou, o encontro já tem até horário: 18 horas de sexta, 7 da manha no fuso de Brasília, segundo fontes a par do assunto – essas mesmas fontes, porém, insistem na ressalva de que até lá o combinado pode mudar.
Banquete no palácio
À noite, Lula pôs uma batik, vestimenta estampada típica da Indonésia, para ir o banquete oferecido a ele e à comitiva brasileira por Prabowo Subianto. O banquete era parte da programação da visita de Estado. Os demais integrantes da comitiva também foram vestidos a caráter, com batiks que ganharam de presente dos indonésios. Na festa, como havia anunciado mais cedo, Subianto aproveitou para comemorar o próprio aniversário e o de Lula – o dele foi no último dia 17 e o do presidente brasileiro será na próxima segunda, 27, data que ele realmente considera, embora tenha o dia 6 de outubro registrado na certidão.
Houve parabéns, com direito a bolo. Três bandas se apresentaram, com música brasileira incluída no repertório. Janja dançou. Prabowo também. O presidente Lula foi homenageado pelos indonésios com imagens que repassaram a sua vida em revista, desde a infância no interior de Pernambuco até os tempos de líder metalúrgico no sindicato do ABC Paulista. Empresários que acompanham a comitiva, incluindo os irmãos Batista, também estavam entre os convidados.