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Não é comigo: a saída de Hugo Motta para decidir o futuro das pautas polêmicas

Novo presidente da Câmara indica que usará Colégio de Líderes, até há pouco apelidado de "Colégio de Lira", para se livrar do ônus de propostas espinhosas, como a anistia dos condenados pelos ataques do 8 de Janeiro

Foto: Douglas Gomes / Lid Republicanos
Foto: Douglas Gomes / Lid Republicanos

Assim que foi eleito, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) se deparou com duas propostas em discussão que dividem o Parlamento e a aliança que o levou à presidência da Câmara: a anistia para os condenados pelas invasões do 8 de Janeiro e a flexibilização da Lei da Ficha Limpa, com redução para dois anos do tempo de inelegibilidade. Enquanto o PT, por exemplo, opõe-se ao avanço das duas pautas, o PL as defende.

Nos dois temas, a solução apontada por Motta foi jogar as decisões para o Colégio de Líderes, instância formada por representantes das bancadas dos partidos e, regimentalmente, capaz de estabelecer o que deve ou não ser prioridade.

“Vamos tratar tudo de forma muito tranquila e de maneira muito serena. Nosso trabalho será a busca de uma pacificação nacional, de harmonia, para que os Poderes constituídos tenhamos uma pauta de convergência nacional. É isso que o Brasil espera de nós”, disse Hugo Motta, para na sequência indicar que procurará se eximir de responsabilidade nas bolas divididas e deixar as decisões com os líderes. “O presidente (da Câmara) tem o poder de pauta, mas o colégio de líderes ao final é quem resolve a pauta da ordem do dia nas matérias que serão fruto de acordo e que serão debatidas”, explicou.

O Colégio de Líderes, historicamente, tem papel relevante no encaminhamento dos trabalhos da Câmara, como a definição da composição da mesa diretora, a ocupação dos cargos nas comissões e a própria elaboração da pauta. Mais que isso, com certa frequência, até o Regimento Interno da Câmara fica em segundo plano se os líderes decidirem algo em sentido diferente do que está escrito nas normas. Na prática, "ouvido o Colégio de Líderes" - para usar um termo repetido à exaustão no Congresso -, sempre foi possível fazer quase tudo.

"Colégio de Lira"
Apesar de todo empoderamento do Legislativo nos últimos anos, por exemplo com o avanço do controle sobre parte do Orçamento da União, o conjunto de lideranças não experimentou o mesmo fortalecimento. Se, hoje, Motta se utiliza do Colégio de Líderes para evitar o enfrentamento de temas que dividem o plenário, ele também procura marcar diferença em relação a seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), que centralizou as decisões e enfraqueceu o colegiado.

As reuniões tinham um caráter mais personalista, imposto por Lira. Em vez dos encontros semanais ou preparatórios na Câmara, o antecessor de Motta levava os líderes para a residência oficial, em almoços ou em cafés intramuros para os quais nem sempre todos os integrantes do colegiado eram convidados. Representantes de partidos menores de esquerda, por exemplo, se queixavam de não serem chamados.

Ao mesmo tempo, deputados do Centrão que não eram líderes compareciam e opinavam. Era a informalidade da "casa de Lira", longe dos olhos da imprensa, artifício que facilitava o controle da pauta e, muitas vezes sacada pelo presidente da Câmara para pressionar o governo pela liberação de emendas parlamentares. Vigorava o "Colégio de Lira", apelido dado por deputados alijados das decisões.

Hugo Motta diz que fará diferente. Avisou que as reuniões do Colégio de Líderes serão às quintas-feiras, para definição prévia da pauta da semana seguinte, e voltarão a ocorrer em uma sala da Câmara onde há sempre um batalhão de jornalistas à porta, de plantão, à espera de informações dos participantes. Lira não gostava dessa exposição. Preferia manter o caráter reservado desses encontros.

Descentralização
A disposição do novo presidente de dividir a responsabilidade sobre a pauta com os líderes já ficou evidente em outros encaminhamentos. Hugo Motta estabeleceu que requerimentos para pautar propostas sejam apresentados com oito dias de antecedência - com Lira, as chamadas "urgências" podiam ser decididas no mesmo dia que as propostas eram levadas ao plenário.

O novo presidente da Câmara também mudou o trâmite das medidas provisórias. Em entendimento com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), Motta promete retomar o rito constitucional da MPs, com instalação de comissões especiais para examinar preliminarmente os textos. Lira havia acabado com essas comissões, o que lhe dava mais poderes e poder de negociação com o governo.

O que é o colegiado
O Colégio de Líderes é uma instância de decisão oficializada na Câmara dos Deputados em 1989, com o objetivo de ajudar o presidente da casa a definir quais propostas, entre as milhares apresentadas pelos 513 deputados, devem ser encaminhadas com prioridade ao plenário. Participam do colegiado os líderes da maioria e da minoria (a aliança numericamente majoritária e a minoritária na casa), dos partidos, dos blocos parlamentares e do governo.

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