“Tudo eles tiraram da gente. Tiraram nossos filhos, tiraram nossos direitos, tiraram tudo. E quando a gente foi atrás de justiça, nos viraram as costas. Aí vem o governo, com a cara mais lavada do mundo, pedir desculpas. Como se isso fosse apagar quase 30 anos de sofrimento.”

O depoimento forte foi feito à coluna por Helena Gonçalves dos Santos, uma das mães dos 96 bebês que morreram em uma maternidade de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, entre 1996 e 1997. Naquela ocasião, as crianças sofreram infecção hospitalar na UTI Neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), conveniada ao SUS.

Ninguém foi condenado na Justiça e nenhuma família foi indenizada.

Apoiados pela ONG Justiça Global, Helena e um grupo de familiares dessas crianças mortas foram ouvidos, como vítimas, em um julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos que têm o Estado brasileiro como réu. A oitiva ocorreu em 29 de setembro.

É uma luta de quase 30 anos por justiça que, agora, caminha para o fim. Na audiência em Assunção, no Paraguai, Helena foi a porta-voz das famílias. E foi lá que ouviu um pedido de desculpas do governo do Brasil.

“O governo pediu desculpas na audiência, perante a corte, perante o mundo. Mas não quer assumir a responsabilidade de pagar uma indenização por danos causados a nós e aos nossos filhos que nasceram depois”, queixou-se Helena dos Santos.

Helena tinha 14 anos quando engravidou. A primeira filha, Paloma, morreu em uma semana na Clipel, antes mesmo que a mãe pudesse registrá-la. Desde então, a costureira batalha pelo reconhecimento da morte como uma violação, cujo trauma pela falta de justiça atingiu também seus outros filhos.

Na Justiça brasileira, as famílias sofreram seguidas derrotas e humilhações. O caso já foi julgado e os responsáveis foram absolvidos.

“Tentaram responsabilizar as mães pela morte dos bebês. Eles tentaram escapar da responsabilidade, jogando a responsabilidade para o alto. A perda dos nossos filhos é a pior dor que a gente pode ter. Mas pior do que a dor é você ser culpada, ser acusada de ter matado o seu próprio filho. Disseram que a gente só queria sensacionalismo e dinheiro”, lembrou.

A costureira falou à coluna o que espera do julgamento, que já está em fase de conclusão, mas não tem prazo para ser encerrado. Disse Helena:

“O que nós esperamos é que o governo seja condenado e culpado. Por tudo o que aconteceu, porque ele não fiscalizou quando tinha que fiscalizar. Ele não fechou a clínica quando devia de fechar. Nós queremos que eles arquem com a responsabilidade de um tratamento psicológico que eles deviam ter dado para a gente anos atrás e eles não deram.”

Para Helena, o pagamento por um tratamento agora, quase 30 anos depois, não terá o efeito necessário, mas as famílias esperam que essa falta de atendimento venha em forma de indenização.

“E que eles venham num ato público, falar, pedir a desculpa, fazer uma placa em nome dos nossos filhos, em memória deles, porque eles merecem. Eram crianças inocentes que foram usadas para obter lucro financeiro e acabaram vindo a óbito”, afirmou.

Mesmo que o resultado do julgamento seja favorável às famílias, para Helena, esta é uma história e um luto que não terão um encerramento.

Diretora-adjunta e advogada da Justiça Global, Daniela Fichino explicou à coluna que o caso tramita na Corte Interamericana desde o início de 2000. Foram 25 anos de espera pelo julgamento. No Brasil, todas as alternativas judiciais se esgotaram. Os argumentos foram ausência de provas e, na segunda instância, ausência de materialidade, o que revoltou as famílias e os ativistas.

“Esperamos que esse julgamento traga a responsabilização do Estado brasileiro. Que se reconheça que houve violação ao devido processo legal já que não houve uma apuração correta dos fatos. Queremos que se reconheça que houve discriminação de gênero. Porque as mulheres foram culpabilizadas pela morte dos seus filhos”, afirmou a advogada.