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No Rio, Justiça endurece regra para barrar eleição de milicianos e traficantes

Há dúvidas se, em Brasília, o Tribunal Superior Eleitoral validará as decisões, tomadas em caráter excepcional para conter infiltração do crime nas instituições do estado

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Fabinho Varandão se apresenta como um vereador com “abordagem acessível e capacidade de ouvir as necessidades da comunidade”. Mas no dia em que parou o carro na porta de um empresário de Belford Roxo, em 2016, ele nada queria ouvir. Só advertir: “Soube que você está montando um provedor de internet, está cabeando na minha área. Pode tirar tudo que a área é minha. Caso contrário, todo mundo vai morrer”. Fabinho e seus seis seguranças estavam armados.

A fúria era tão grande que Fábio Augusto de Oliveira Brasil, o Fabinho Varandão, não percebeu que uma câmera de rua filmava a abordagem. E, oito anos depois, a cena viraria a principal prova para a Justiça Eleitoral negar a ele um terceiro mandato de vereador de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, por envolvimento com milícias.

A medida foi resultado de um esforço conjunto entre magistrados e promotores fluminenses. Pouco antes das eleições, eles decidiram ir além dos limites impostos pela legislação para impedir que prefeituras e câmaras municipais do estado fossem infiltradas por organizações criminosas.

Pela Lei das Inelegibilidades (como é conhecida a Lei Complementar nº 64), estão impedidos de participar das eleições pessoas condenadas em decisões transitadas em julgado (quando a ação acabou e não cabem mais recursos) ou decretadas por órgão judicial colegiado (julgada por ao menos três magistrados). Fora isso, todos podem. Menos no Rio de Janeiro, onde o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) ampliou o conceito de inelegibilidade e passou a indeferir os pedidos de registro de candidatura de pessoas com comprovadas ligações com o crime organizado, ainda que a ação judicial nem sequer tenha sido julgada em primeira instância.

Foi o caso de Varandão, um ex-dono de pizzarias da Baixada que ganhou protagonismo na política local após migrar do comércio formal para a exploração de serviços piratas de internet, a gatonet, gás de cozinha e cigarro contrabandeado. Para convencer a Justiça, o Ministério Público Eleitoral alegou que o candidato violou uma série de preceitos constitucionais, entre os quais o da liberdade, o do direito ao voto livre e consciente, o da isonomia entre os candidatos na corrida eleitoral e o da própria democracia.

Varandão não estava sozinho na lista de impugnados. No total, o MP eleitoral sustentou 13 pedidos de impugnação de candidaturas de pessoas ligadas à milícia e ao narcotráfico, sem o amparo da Lei das Inelegibilidades. Desse total, seis foram acolhidos pelo TRE, dois tiveram a sentença anulada – e deverão ser novamente denunciados –, um ainda não foi julgado e apenas três tiveram o registro deferido. Portanto, ao denunciar, os promotores tinham um razoável grau de certeza de que não seriam rechaçados pelos magistrados.

Em disputa morna, sem grandes surpresas, a começar pela previsível vitória de Eduardo Paes (PDS) na capital, as eleições municipais no estado do Rio entram para a memória da Justiça Eleitoral pela interpretação singular dada por promotores e juízes aos requisitos legais. Do juizado eleitoral de Belford Roxo ao gabinete da presidência do TRE-RJ, havia uma vontade manifesta de pesar a mão contra os encrencados. “Se o eleitor não consegue decidir com autonomia seu voto, a eleição estará viciada”, repetia o próprio presidente da corte, desembargador Henrique Figueira, nas oportunidades de se manifestar internamente sobre o tema. Foi dele a iniciativa de transferir 53 locais de votação de dez municípios do Rio, incluindo Belford Roxo, porque não havia a mínima condição de segurança para a livre escolha dos eleitores nos endereços originais.

Niterói e Petrópolis serão as únicas cidades fluminenses onde haverá disputa em segundo turno. Talvez por isso o caso Varandão ganhe uma atenção incomum. Por um detalhe processual – o recurso contra a impugnação só foi julgado pelo TRE-RJ após a inserção dos nomes dos candidatos no sistema das urnas –, o ele conseguiu entrar na disputa. Atual primeiro vice-presidente da Câmara de Belford Roxo, Varandão foi o segundo colocado na cidade, com 4.279 votos. Embora o seu nome não figure na lista oficial dos eleitos, ocupa as redes sociais com frases como se eleito fosse.

Nas redes, Varandão festeja: “Essa vitória não é apenas nossa, mas de toda nossa gente. O trabalho continua neste terceiro mandato com muito empenho por tudo que sempre acreditamos. Vamos juntos”.

Ele tem os seus motivos. Um dos mais experientes advogados eleitorais do Rio, que prefere manter-se anônimo, disse que a ousadia do TRE-RJ dificilmente será corroborada pelos sete integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):

“No Rio, chegaram a me consultar. Reconheço que a situação do estado, dada a infiltração criminosa na política, é dramática. Mas não será desta forma que eles vão resolver o problema. Já foi tentado antes e não deu certo. A posição certamente será revista em Brasília”, lamenta.

A “operação limpeza” do TRE-RJ esbarra ainda em outras formas de representação criminosa no ambiente político fluminense. Coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (GENI/UFF), o sociólogo Daniel Hirata alerta que as milícias abandonaram as formas mais antigas de infiltração, quando figuras como Jerominho Guimarães Filho (ex-vereador, assassinado em 2002) e seu irmão, Natalino Guimarães (ex-deputado), ambos fundadores de uma das maiores milícias do estado, lançavam candidaturas próprias aos parlamentos locais.

“O esforço das instituições para conter a infiltração é inegável. Porém, há pelo menos dez anos a situação ficou mais complexa. Não são candidaturas iguais às do Jerominho e do Natalino. O que se vê agora são políticos apadrinhados pela milícia, sem vínculos formais, mas dentro de um jogo de troca de favores do clientelismo clássico. Se isso for enfrentado, não apenas no período eleitoral, os resultados serão mais eficazes”, diz Hirata.

Seja como for em Brasília, a sensação interna no Judiciário eleitoral é de vitória, ainda que parcial, contra o avanço das organizações criminosas. Apenas mais um dos barrados, Eduardo Araújo, que obteve 2903 votos para a Câmara de Belford Roxo, também deve interpor recurso para garantir a vaga. Os demais, por ter uma decisão desfavorável no TRE, não tiveram os nomes inseridos nas urnas. Então, por mais que clamem pelos supostos direitos, estarão definitivamente fora do jogo.

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