Nós quem, cara-pálida?
A piada é antiga e virou bordão. O Zorro e o Tonto foram cercados num desfiladeiro por índios ferozes. Assustado, Zorro exclamou: “Caramba, Tonto, acho que desta vez nós estamos perdidos”. Tonto retrucou, impassível: ”Nós quem, cara-pálida?”.
Na politica polarizada, populista e radical do nós contra eles, o interesse nacional fica abandonado, perdido, como o Zorro da piada, perplexo vendo lulistas e bolsonaristas se acusando e se culpando, buscando, como o Tonto, apenas a própria salvação sem se importar com a realidade do país.
O aumento do IOF, derrotado no Congresso, fez o governo reagir com uma campanha agressiva nas redes sociais afim de associar o Congresso e, particularmente, o deputado Hugo Motta, presidente da Câmara, aos interesses dos super-ricos, das bets e dos bancos. Eles são os privilegiados que não querem pagar imposto. Desde a tentativa frustrada de recriação da CPMF, extinta em 2007, o aumento de impostos no Brasil é rechaçado não apenas pelas elites econômicas. Não cabe mais fazer puxadinhos temporários para apresentar desempenho fiscal positivo apurado em regime de caixa com metas fiscais e orçamentos fictícios executados com bloqueios no desembolso.
A estrutura tributária e fiscal brasileira é regressiva, desequilibrada e disfuncional. Reformá-la é fundamental, mas não há concordância com remendos para aumentar a arrecadação ainda que pareçam fazer o andar de cima pagar. O Brasil não quer pagar mais imposto! Ponto!
O julgamento de Bolsonaro e seus aliados no STF pela suposta tentativa de melar o resultado das eleições presidenciais de 2022 e tramar um golpe militar misturou-se com o complexo debate sobre a regulação das plataformas de internet e a responsabilidade das big techs. A judicialização da política e a politização da Justiça contaminam o ambiente institucional brasileiro acirrando os conflitos e enfraquecendo as instituições. A luta pelo poder está à flor da pele e sobressai nas situações mais corriqueiras do dia a dia do país. Só a eleição presidencial de 2026 interessa.
Como desgraça pouca é bobagem, Donald Trump entrou no jogo. De acordo com Sergio Denicoli, no Estadão, as reações nas redes sociais ao inédito ato de agressão comercial e política ao Brasil do presidente norte-americano foram majoritariamente de repúdio a Trump, favorecendo a posição do governo Lula e enfraquecendo Bolsonaro e seu projeto politico para 2026. Vai ficar mais difícil para o governador Tarcísio de Freitas equilibrar-se entre a lealdade ao bolsonarismo e a liderança de um projeto eleitoral alternativo a Lula em 2026.
As forças políticas dedicadas à construção de um projeto alternativo ao lulopetismo em 2026, não dependente dos interesses do clã bolsonarista, deverão agir no sentido de atenuar o aproveitamento do episódio pelo governo Lula, subitamente convertido a defensor da pátria. Tentar inverter a narrativa da culpa, como foi logo depois do quebra-quebra golpista de 8/1, é o tortuoso caminho que resta aos discípulos brasileiros de Steve Bannon, bisnetos políticos de Plínio Salgado. A política externa petista é muito ruim mas não é a culpada. Foram os Bolsonaros que pediram a intervenção de Trump. Não adianta torturar os fatos. Não vai colar.
Unir o Brasil não é fácil. Nunca foi. Pelo menos nos áureos tempos da seleção brasileira de futebol antes do 7 a 1 da Alemanha, quando o Brasil jogava éramos sempre a pátria de chuteiras. Também por causa do populismo político, acumulamos com a seleção desgastes, derrotas e perdemos força. A CBF e Carlo Ancelotti podem até conseguir recuperar a moral da camisa amarela pentacampeã e a paixão brasileira pela seleção, enfraquecida dentro e fora do campo. Tem matéria-prima de sobra, mas vai dar trabalho.
Os quatro times brasileiros que estiveram na Copa do Mundo de Clubes, nos Estados Unidos, com suas enormes, esfuziantes e apaixonadas torcidas, surpreenderam, encantaram e saíram muito maiores do que entraram. É o maior “softpower” cultural do Brasil. Estou convencido de que o Brasil tem conserto!
Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de produção e professor universitário. Foi deputado federal pelo PSDB-ES e prefeito de Vitória-ES. Integra a Academia Brasileira da Qualidade (ABQ)
Os artigos publicados nesta seção não refletem, necessariamente, a opinião do PlatôBR.