A cidade onde o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) viveu parte de sua infância e adolescência está envolvida em uma nova eleição, cinco meses depois da última disputa pela prefeitura. O município de Eldorado, cidade do Vale do Ribeira, no sul do Estado, a 243 quilômetros de São Paulo, deve escolher um novo chefe do executivo local no próximo dia 6 de abril.
O candidato a prefeito vitorioso no ano passado, Elói Fouquet (PSDB), teve a sua eleição impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em dezembro, porque havia sido condenado por improbidade administrativa. Fouquet recorreu e conseguiu concorrer na eleição, mas não conseguiu assumir.
Dois irmãos de Bolsonaro, Ângelo Guido e Denise, além de primos e sobrinhos, ainda vivem em Eldorado, cidade turística de 13 mil habitantes, famosa pela formação rochosa Caverna do Diabo (foto). Mesmo com a presença da família, no município, bolsonaristas e petistas mantêm boa relação, não repetem a polarização presente em boa parte do Brasil.
"Não há aqui uma disputa entre lulistas e bolsonaristas. As questões locais prevalecem, se sobrepõem”, afirma Raul Calazans, coordenador da macrorregião do PT no Vale da Ribeira. A candidata do PT na eleição no dia 6, Dra. Débora, tem como vice Nazil Fouquet, esposa do candidato impugnado Elói Fouquet, que é ex-prefeito da cidade e foi apoiador de Bolsonaro. Dessa forma, petistas e bolsonaristas – ou ex-bolsonaristas – apoiam a mesma candidata.
Elói justifica a seus correligionários que, hoje, “quem tem a chave do cofre é o PT” e, por isso, ele apoia a candidata petista, além de sua esposa vice, “para trazer recursos para a cidade”. Os outros candidatos são Noel Castelo (Solidariedade), ex-presidente da Câmara Municipal e prefeito interino, e Dr. Galindo (PSD), tido como o principal candidato do campo conservador, que tem o apoio também de seguidores de Bolsonaro.
Os familiares do ex-presidente na cidade, donos de lojas de móveis e de propriedades na região, não se envolvem diretamente na eleição. Descendentes de italianos, eles chegaram ao Vale do Ribeira na década de 1960 e se espalharam por pelos municípios de Eldorado, Miracatu e Registro, considerada a “capital” do vale. O berço do clã Bolsonaro é a região do Vêneto, no norte da Itália.
Jair Bolsonaro nasceu na cidade de Glicério, na região de Campinas, e viveu em Eldorado dos 11 aos 18 anos. O município, uma estância turística, é o quarto maior do estado de São Paulo. Tem mais de 70% de sua área coberta por mata atlântica, intacta. Fez parte do primeiro ciclo do ouro no país, no início do século 17.
Se a maioria da família não se envolve em política, um outro irmão do ex-presidente, Renato Bolsonaro, que é de Miracatu e também militar, já se candidatou oito vezes a deputado, a prefeito e vereador, em seu município e também por São Paulo, Praia Grande e cidades vizinhas a Eldorado. Mas nunca conseguiu ser eleito.
No ano passado, Renato concorreu a prefeito em Registro, pelo PL, com o apoio do irmão ex-presidente, do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do senador e astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Não teve sucesso, no entanto.
Renato perdeu a eleição, dessa vez, para Samuel Moreira (PSD), ex-deputado federal e relator da reforma da previdência, que foi também ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo e ex-chefe de gabinete de Geraldo Alckmin no governo paulista. Antes de concorrer à prefeitura em Registro, Renato Bolsonaro foi chefe de gabinete do prefeito de Miracatu, Vinicius Brandão (PL), apoiador de Jair Bolsonaro.
Quilombolas, guerrilha e família Paiva
Eldorado é cheia de particularidades. É a cidade com a maior concentração de comunidades quilombolas – 13 -, no estado de São Paulo. Bolsonaro disse em uma palestra, em 2017, que quilombola “nem para procriador serviria mais”, o que gerou revolta e protestos nas comunidades locais.
Na praça da cidade de Eldorado, em 1971, o guerrilheiro Carlos Lamarca baleou três pessoas, em um tiroteio com a polícia.
Também viveu na cidade Jaime Almeida Paiva, prefeito local duas vezes e fazendeiro rico na região. Jaime Paiva era o pai de Rubens Paiva, o ex-deputado desaparecido em 1971 e morto pela ditadura militar no Brasil, que teve a sua história e de sua esposa, Eunice Paiva, contadas no filme “Ainda estou aqui”, um dos vencedores do Oscar neste ano. Jair Bolsonaro sempre atacou Rubens Paiva e disse que ele teria ajudado Lamarca a montar uma guerrilha no Vale do Ribeira. Não há comprovação dessa relação.