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Novo bate-cabeça no governo gera ruído e mais desgaste para imagem de Lula

Falta de alinhamento entre Rui Costa e Fernando Haddad dá sinais dúbios sobre o caminho que o presidente quer seguir para baixar preços dos alimentos e melhorar sua popularidade

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva acompanhado do ministro da Casa Civil Rui Costa
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O governo ainda nem se recuperou do desgaste que a polêmica do Pix gerou e já abriu uma nova frente de ruídos. Desta vez, com potencial de estrago ainda maior, afinal, o tema inflação dos alimentos mexe com o bolso, com a mesa dos brasileiros e com promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, ironicamente, a confusão começou com o ministro Rui Costa (Casa Civil), justamente o personagem que foi encarregado, após a crise do Pix, de coordenar e filtrar os anúncios dos ministérios para evitar “confusão” para o governo.

Primeiro, o ministro abriu o debate público sobre o preço dos alimentos falando de “um conjunto de intervenções que sinalizem barateamento dos alimentos”. Mexeu diretamente na memória inflacionária da era José Sarney na Presidência da República, com os planos econômicos da década de 1980 que usaram instrumentos como congelamento de preços e de salários para tentar conter uma inflação que chegou a bater em 84% ao mês. “Não fosse esse histórico no Brasil com a palavra 'intervenção',isso não teria sido um problema. Ele quis dizer apenas 'medidas'”, reagiu um interlocutor do governo.

“Foi um equívoco na comunicação”, corrigiu o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), descartando qualquer “intervenção” do governo para baixar os preços. “Não vai haver intervenção artificial, reforço isso”, esclareceu o próprio Rui Costa, ressaltando que o foco está em soluções estruturais para aliviar o peso dos alimentos no orçamento familiar dos brasileiros.

Mas o problema não foi estancado ali. Uma reunião com Costa, Teixeira, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Melo, alimentou mais ruídos. Os ministros geraram um fato mostrando a preocupação do governo com o tema após o pito geral do presidente na reunião com todo o primeiro escalão na segunda-feira, 20, mas não souberam prever e administrar as consequências.

A intervenção nos preços foi descartada, mas o governo trouxe o tema “alimentos vencidos” para a mesa. Uma proposta incluída em documento entregue por entidades representativas do setor de alimentos e bebidas aumentou a confusão. A ideia de flexibilizar as regras sobre data de validade dos alimentos, como propôs a Abras (Associação Brasileira de Supermercados), esteve em discussão. E gerou polêmica. Afinal, depois do Pix, seria fácil construir a narrativa de que o governo Lula estaria cogitando resolver o problema da carestia facilitando o acesso a alimentos com data de validade expirada.

Escaldado com a confusão recente, a saída foi correr para explicar antes que essa leitura se propagasse. “O governo não recuou de nada porque nunca cogitou a proposta”, defendeu a fonte, reagindo às notícias que afirmavam que o tema estava sendo avaliado. “Isso pode funcionar na Europa, mas não é algo para o Brasil. E não será o governo do presidente Lula que fará algo assim”, completou. A proposta levada à reunião dos ministros pela Abras era no sentido de flexibilizar as normas que regulam as datas de validade de alimentos, o que poderia torná-los mais acessíveis, especialmente para as famílias mais carentes.

Onde estava Haddad?
Enquanto todas essas informações alimentavam o noticiário ao longo do dia, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) estava numa agenda incerta e não divulgada pela sua assessoria, o que reforçou especulações sobre um novo bate-cabeça dentro do governo, a exemplo do que ocorreu no final do ano passado, durante a discussão das medidas para conter os gastos públicos. Na época sobrou mal-estar entre Haddad e Rui Costa.

No final do dia, o ministro da Fazenda falou com jornalistas e adotou uma linha diferente da que havia dominado o dia. Inicialmente, falou como se inflação de alimentos não fosse um problema. Argumentou que o país terá uma grande safra este ano, o que contribui para a queda dos preços. Além disso, disse que o dólar começou uma trajetória de queda e que o que afetou o preço dos alimentos foi o fato de os bens de maior alta em 2024 serem exportáveis (como café, carne e frutas) e, portanto, sujeitos a variações da cotação internacional.

Haddad destacou, ainda, que a queda do dólar pode ser interrompida por "boataria" sobre uso de espaço fiscal para forçar queda nos preços. "Ninguém está pensando em usar espaço fiscal para esse tipo de coisa", garantiu. Ao descartar qualquer tipo de subsídio por parte do governo, o que usaria recursos públicos para baixar os preços artificialmente, ele afirmou: “A única coisa que estamos trabalhando e, acredito, temos espaço para melhorar, é na qualidade do programa de alimentação do trabalhador”.

O ministro citou a regulamentação da portabilidade dos créditos depositados pelas empresas nos tickets alimentação e refeição e usados pelos trabalhadores para compras em supermercados ou alimentação fora de casa. “A portabilidade já está prevista em lei, mas não está funcionando adequadamente por falta de regulamentação do Banco Central”. Segundo ele, há espaço regulatório para baratear a intermediação desses recursos, beneficiando os trabalhadores que, hoje, muitas vezes vendem os créditos por menos do que eles valem.

Ao mesmo tempo que desqualificou uma reunião da qual não participou (foi representado por um secretário da Fazenda), mas que contou com a presença de três colegas de ministérios, Haddad reforçou com a fala mais uma desarticulação em torno do tema. Além disso, o tom do ministro deu pouca relevância a um tema sensível e que afeta todos os brasileiros.

É fato que o presidente Lula e Haddad plantaram sementes que irão brotar ao longo do tempo com a desoneração da cesta básica na reforma tributária. No entanto, isso ainda levará um tempo para surtir efeito prático a ponto de ser percebido pela população e se traduzir em melhoras da avaliação do governo nas pesquisas de opinião. Na reunião ministerial, Lula disse que tem pressa. Quer ações no curtíssimo prazo que afetem “os principais alimentos na mesa do brasileiro: o arroz, o feijão, a carne”. Mais do que isso, quer que a comunicação oficial faça essas medidas serem percebidas pelas pessoas. Os principais ministros envolvidos no debate, porém, ainda estão na contramão da demanda.

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