Bom para o ministro Fernando Haddad (Fazenda), ruim para o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. A alta do preço do petróleo no mercado internacional em função do aumento da tensão entre Israel e Irã tem efeitos contraditórios na economia brasileira. Em conversa com o PlatôBR, o economista Adriano Pires explica por que o cenário é favorável para as contas públicas e desvantajoso para o consumidor. Isso, apesar de a situação atual ser bem mais favorável ao Brasil do que na crise do petróleo dos anos 1970.
Diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), empresa com atuação em assuntos estratégicos para o setor de energia, Pires é um dos maiores especialistas brasileiros em petróleo e gás, com mais de 40 anos de experiência no setor. Veja abaixo as avaliações do economista sobre o impacto no Brasil do aumento da tensão no Oriente Médio.
PLATÔBR – Como fica o Brasil diante do risco de aprofundamento do conflito Israel-Irã, considerando a instabilidade que isso gera no mercado internacional de petróleo?
ADRIANO PIRES – A situação do Brasil é bem confortável. Ao contrário do segundo choque do petróleo, em 1979, quando o barril dobrou de preço e, naquela época, o Brasil importava 80% do que consumia, hoje, a gente é exportador de petróleo. A Petrobras exporta metade da produção dela. Então, para a balança comercial brasileira, o preço do petróleo mais caro é bom porque vai ter mais receitas. O petróleo já é o principal item da nossa balança comercial e arrecada mais do que a soja.
E do ponto de vista das contas públicas?
Do ponto de vista das contas públicas também é bom porque, na realidade, o petróleo é um grande arrecadador por meio dos royalties. Petróleo mais caro significa mais receitas de royalties (para o governo). Então, petróleo caro é uma boa notícia para o ministro Fernando Haddad.
E mais pagamento de dividendos da Petrobras para o Tesouro?
Dividendo da Petrobras é um ponto de interrogação porque depende da velocidade com que a Petrobras vai repassar para o consumidor o aumento do preço do petróleo. Não somos como os Estados Unidos e a Europa, que já aumentaram o preço da gasolina e do diesel. A gente demora. Há uma tradição no governo do PT, que não sei se será mantida, de demorar muito a repassar. Dizem: vamos esperar para ver como o fica o preço, está muito volátil o mercado. Hoje, a defasagem já está superior a 12% e 13%. Já poderia aumentar o preço da gasolina e do diesel. Se segurar muito o preço, pode não ser tão bom assim para a Petrobras. Quando o petróleo fica caro é bom para as petroleiras porque aumentam as receitas. A Petrobras é um caso um pouquinho diferente, dado que tem muito controle do governo.
Já para população e para o Banco Central, que quer controlar a inflação, a situação é oposta?
Aí, o impacto é na contramão. E não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Petróleo muito caro traz inflação, como trouxe recentemente com a guerra da Ucrânia e da Rússia, quando o barril de petróleo bateu os US$ 100. O Brasil pode tentar segurar esse impacto não deixando a Petrobras aumentar os preços. Mas aí é gol de mão.
A demanda mundial estava em queda, agora é a produção?
Do ponto de vista de oferta e demanda, a demanda caiu muito depois que Donald Trump assumiu nos EUA porque a política tarifária dele provocou desaceleração do crescimento econômico mundial. Quando a economia desacelera, a demanda por petróleo cai. Por isso, antes da guerra do Irã, o petróleo estava a US$ 65, depois chegou a bater US$ 80, hoje está a US$ 75. Essa volatilidade é dada por sinais diferentes. Enquanto a demanda está caindo, derrubando preços, há uma guerra que envolve um grande produtor de petróleo (o Irã), puxa o preço e fica essa gangorra.
O Irã bombardeou nesta segunda-feira, 23, as bases americanas no Catar.
Antes dessa notícia, o petróleo estava caindo. Agora, vai voltar a subir. Fica nesse vaivém por causa dos sinais contrários: a demanda está baixa e o preço tinha que estar baixo, mas tem o efeito de guerra que pode reduzir a oferta. Agora, até onde vai essa redução de oferta? Preço alto começa a viabilizar a produção do shale oil americano (petróleo de xisto) e de outros países fora da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Foi o que aconteceu na guerra da Ucrânia e da Rússia. O preço foi a US$ 100, depois reduziu para US$ 75 porque entrou muita oferta e caiu a US$ 65 porque diminuiu a demanda por causa da política tarifária do Trump. Agora, o mercado está reduzindo demanda e a guerra reduzindo oferta. Fica esse jogo de quem manda mais e, uma hora sobe e, na outra, cai.
E se o Irã fechar o estreito de Ormuz, via marítima entre Irã e Omã por onde circula petróleo e gás?
Se fechar o estreito de Ormuz, o petróleo pode ir a mais de US$ 100, a US$ 150. Mas não é trivial fechar o estreito de Ormuz porque ali passa de 20% a 30% do petróleo e do gás do mundo. Principalmente, atende muito à Ásia. Algo como 40% das importações de óleo da China passam pelo estreito de Ormuz. A China, em tese, é aliada do Irã e não vai ficar contente se o Irã fechar o estreito. Isso acaba sendo um sinal para reduzir preço, já que muita gente não acredita que vá fechar.
Arábia Saudita também é uma aliada do Irã que não ficaria satisfeita se fechar o estreito?
Todo mundo passa pelo estreito de Ormuz. A Arábia Saudita já foi mais aliada. Hoje, o principal consumidor do petróleo iraniano é a China. Mas os sinais contraditórios criam volatilidade gigante.
Você acredita que o Brasil está protegido dessa crise do petróleo?
Somos protagonistas da cena de petróleo, já somos o sétimo maior produtor de petróleo do mundo e caminhamos para o quinto lugar, estamos muito protegidos dessas instabilidades do mercado. O que aconteceu em 1979? O segundo choque do petróleo foi motivado por um movimento até parecido com o atual, que foi a queda do Xá Reza Pahlevi, que era uma ditadura no Irã pró ocidente. Com a entrada dos aiatolás, virou uma teocracia contra o ocidente. Na ocasião, o petróleo dobrou de preço e o Brasil se ferrou porque importava 80% do petróleo que consumia. Dessa vez, não. Estamos protegidos dessa volatilidade de preços provocado por efeitos geopolíticos.
Qual o preço limite para viabilizar a produção mundial que hoje não acontece justamente pelo preço ser considerado baixo diante dos custos de extração?
A US$ 75 o barril já viabiliza um bocado de gente, como aconteceu na guerra da Ucrânia. Nos Estados Unidos, por exemplo, Trump tem uma política contraditória. Na campanha de presidente, ele falava que era “drill, baby, drill” (expressão que exalta a extração de petróleo e gás em território americano). Aí, ele vira presidente e faz uma política tarifária que derruba o preço do petróleo. A US$ 65 começa inviabilizar a produção do shale oil (petróleo de xisto), shale gás (gás de xisto). Com esse preço que a guerra trouxe, de US$ 75, já viabiliza essa produção. E a produção é rápida porque, quando está barato, eles só fecham o poço e, quanto o petróleo está caro, eles abrem. É uma produção que entra muito rapidamente porque é em terra. Diferente do Brasil, que a maior parte da produção é em mar e não consegue aumentar e nem reduzir rápido.
O Trump mirou no que viu e atirou no que não viu? Essa situação vai favorecer a economia dos EUA com ganhos pelo aumento do preço do petróleo após riscos de recessão?
Depende da alta porque se o barril for a US$ 100, gera inflação. Estados Unidos e Europa são diferentes da gente no Brasil. Eles já aumentaram o preço da gasolina e do diesel. Lá, a alta é imediata. No Brasil, demora. Então, a inflação vem rápido nos Estados Unidos e na Europa porque contamina os demais preços da economia (petróleo encarece custo de frete, energia e vários outros insumos). Para os Estados Unidos, o ideal é petróleo entre US$ 70 e US$ 75 porque pode produzir mais petróleo. Agora, com valor muito alto, vai produzir, mas também gera muita inflação. O preço de equilíbrio para os Estados Unidos está entre US$ 70 e US$ 75. Menos de US$ 70 é ruim.
E o preço de equilíbrio para o Brasil?
Também entre US$ 70 e US$ 75 (o barril). Com o pré-sal, a Petrobrás tem um breakeven (ponto em que os custos se igualam aos ganhos) inferior. Hoje, ele está entre US$ 30 e US$ 40.
E quando isso vai chegar na população?
O governo Dilma Rousseff reprimiu para caramba, segurou alta da gasolina e do diesel e acabou dando um prejuízo no caixa da Petrobras. Em condições normais, a gente já tinha que estar amanhecendo no Brasil com anúncios de aumento do preço da gasolina e do diesel. Isso seria o normal, como aconteceu nos Estados Unidos e na Europa.