No calor do verão europeu em julho de 2024, enquanto turistas lotavam as ruas de Barcelona, os moradores da cidade insatisfeitos com as hordas crescentes de turistas encontraram uma maneira inusitada de manifestar sua exaustão.

Armados com pistolas de água, lançaram jatos gelados contra os forasteiros, como quem tenta lavar o excesso de turismo que escorre pelas calçadas da cidade. Mais do que uma brincadeira de verão, o episódio virou símbolo de um dilema: como manter viva a alma de Barcelona sem afogá-la na superlotação turística?

E não é somente a cidade espanhola que enfrenta esse problema, outros casos incluem Lisboa, Atenas, Veneza e regiões da Itália e Grécia. Segundo dados da ONU Turismo, agência da ONU que monitora os fluxos de pessoas entre continentes, o número de desembarques internacionais no planeta foi de 1,5 bilhão em 2024. Metade disso foi para a Europa, cerca de 750 milhões. 85 milhões somente para a Espanha.

Além das pistoladas d’água, que circularam bastante pela internet e tiveram repercussão negativa no mundo todo, o prefeito Jaume Collboni anunciou, no ano passado, intenção de proibir o aluguel de apartamentos no Airbnb para turistas e aumentar a taxa de turismo para passageiros de cruzeiros que permaneçam na cidade por menos de 12 horas.

Otávio Leite, doutor em Turismo e consultor da Fecomércio, comentou à coluna sobre o atual contexto de Barcelona.

“Barcelona é um caso típico de um produto turístico que foi tão exitoso que ultrapassou a fronteira da conveniência e da utilização adequada e tranquila dos espaços físicos, das atrações e dos produtos locais”, pontuou.

Existem muitas medidas que podem ser tomadas para tentar minimizar os efeitos negativos do excesso de turistas. Em pontos turísticos onde existe uma limitação física para a lotação, uma saída é limitar o número de ingressos para conter o fluxo. Muitos lugares também cobram taxas de entrada, como Veneza. Cobrar taxas ecológicas e limitar o aluguel também são estratégias.

Essas e outras alternativas são de responsabilidade dos governos locais. Agora, o que está acontecendo é um aumento significativo de atitudes tomadas pelos próprios moradores. Para Leite, recorrer a pistoladas d’água — e outras formas de protesto mais extremas — causam um nível de constrangimento ao turista que pode ser um modificador crucial do fluxo de pessoas de fora.

Disse Leite à coluna:

“Por que o desconforto é tão importante? Porque o visitante, quando retorna para o seu lugar de origem, é responsável por um boca a boca, por um marketing que é invisível, mas é substantivo na medida em que ele comenta com familiares, amigos, parentes, colegas de trabalho sobre a estadia e a experiência vivida. Por mais que seja um destino formidável, uma experiência cheia de apurrinhações pode gerar um eixo negativo de atratividade.”

O bom tratamento dado aos turistas é um dos principais atrativos para que sejam propagadores positivos do destino. A opinião das pessoas conta, e conta muito. Feedbacks de viajantes em sites de viagem, como Booking e Tripadvisor, são alguns dos principais meios de pesquisa para se planejar uma viagem.

Como o grande fluxo turístico não tem demonstrado sinais de apaziguamento num futuro próximo, sobretudo na Europa, situações extremas exigem medidas extremas. A população residente dos destinos populares vem tentando afugentar por conta própria aqueles que, segundo eles, já não são bem-vindos.

Apesar disso, Otávio Leite não vê prejuízos iminentes para a economia desses locais, uma vez que a cultura do turismo na Europa é grande demais para representar alguma crise nesse sentido.

“Já está mais do que consolidada na Europa a consciência dos atores públicos e privados da importância do turismo receptivo como um vetor fundamental da economia. Vão continuar a se promover aproveitando as facilidades dentro do contexto turístico do continente, a história e os potenciais culturais europeus se vendem com facilidade”.