Às vésperas do julgamento no STF que pode transformar o pai em réu, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou sua decisão de se licenciar do mandato e permanecer nos Estados Unidos. Em vídeo, alegou sofrer perseguição do Judiciário. Chamou o ministro Alexandre de Moraes de psicopata. Chorou.
Horas depois de divulgado o vídeo, Moraes negou o pedido do PT para que o passaporte do deputado fosse apreendido. Seguiu o parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que não viu motivo para isso.
Portanto, ainda que se sinta politicamente perseguido pelo Supremo, não há qualquer investigação tramitando na Corte que ameace, por ora, a liberdade de Eduardo. Ele não foi inserido na denúncia sobre a trama golpista. E, como indica o parecer de Gonet, não há suspeita contra o parlamentar em apuração que ainda não tenha chegado ao STF.
Diante desse cenário, pouca gente entendeu o movimento. Até mesmo os correligionários de Eduardo se surpreenderam com a decisão. A oposição chamou a decisão do deputado de permanecer nos EUA de fuga. Mas, afinal: estaria fugindo do quê? Ou de quem?
Coincidentemente, no mesmo dia, o presidente da Suprema Corte dos EUA, John Roberts Junior, contestou, em rara manifestação pública, as críticas do presidente Donald Trump em redes sociais a uma decisão judicial. Trump é entusiasta do impeachment de juízes que tomam decisões contrárias a seus interesses.
“Por mais de dois séculos, está estabelecido que um impeachment não é a resposta apropriada a uma discordância envolvendo uma decisão judicial. O processo normal de apelação existe para esse propósito”, escreveu o presidente da Corte.
A realidade dos EUA de ataques do chefe da República ao Judiciário para legitimar uma política nem sempre inserida nas quatro linhas, para usar expressão de Jair Bolsonaro, remete à gestão do ex-presidente.
Assim como Trump, seu admirador brasileiro não apenas ameaçou, mas apresentou um pedido de impeachment contra Moraes ao Senado em 2021. O caso foi prontamente arquivado pelo então presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O vídeo divulgado por Eduardo Bolsonaro dá algumas pistas do que ele fará nos EUA. Enquanto o pai é processado e julgado no Brasil, caberá a ele seguir a toada do bolsonarismo de ataques ao Judiciário. Agora, com a garantia de estar em território comandado por um presidente que considera essa prática um mero exercício de democracia.
Outros bolsonaristas se instalaram no território norte-americano para exercer o que consideram liberdade de expressão. Um exemplo simbólico é o blogueiro Allan dos Santos, que teve a prisão decretada por Moraes e está foragido desde 2021. De lá, segue atacando o Supremo e seus integrantes.
Também dos EUA, Eduardo Bolsonaro anunciou que pretende articular uma espécie de vingança a Moraes - identificado por seu grupo como o principal adversário. Tramita no Parlamento estadunidense um projeto que institui restrições a “censores”, inclusive para entrar no país.
“Alexandre de Moraes não vai conseguir sequer ter um cartão Visa ou Mastercard para comprar uma blusinha da Shein, que venha da China”, declarou o filho de Jair Bolsonaro.
Enquanto isso, no Brasil, Moraes não parecia preocupado com a compra de blusinhas. Recebeu no mesmo dia para jantar em sua casa representantes dos Três Poderes. O evento era uma homenagem a Pacheco - o mesmo que arquivou o pedido de impeachment contra o ministro há quatro anos.
Segundo a jornalista Daniela Lima, da TV Globo, estavam no evento oito dos onze ministros STF e 12 dos 33 integrantes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) - inclusive os presidentes, Luís Roberto Barroso e Herman Benjamin. Também compareceram Gonet e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.
A reunião mostra que Moraes não fala nem age sozinho. E que, se quiser continuar esticando a corda, ainda que de longe, Eduardo Bolsonaro vai comprar briga não com um ministro, mas com os Três Poderes.
O julgamento da denúncia sobre a trama golpista está marcado para começar na terça-feira, 25. A expectativa é que a ação penal seja aberta e os suspeitos, transformados em réus. De longe, Eduardo seguirá com a campanha difamatória ao Judiciário e com os ataques a Moraes.
Juridicamente, o efeito das investidas será nulo. Politicamente, a intenção é reanimar o bolsonarismo - que respira com a ajuda de oxigênio, como mostram as imagens do ato de domingo, 16. Foram convocadas para a praia de Copacabana um milhão de pessoas. Compareceram 18 mil, segundo pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).