CIDADE DO VATICANO - O cardeal dom Arlindo Furtado, de Cabo Verde, tem suas expectativas, mas não as confessa. O fato de tê-las já é um bom sinal para ele, principalmente no momento em que a Igreja Católica encontra o desafio de substituir o papa Francisco, sepultado neste sábado, 26, em Roma, e que deixou um legado de carisma, de preocupação ambiental, social e humana como marcas fortes de seu papado.
Em conversa com o PlatôBR no voo entre Lisboa e Roma na sexta-feira, 25, dom Arlindo indicou critérios para votar no conclave que está previsto para começar após 6 de maio, assim que findar o luto de nove dias pelo pontífice morto. "Hoje existem tantas personalidade ilustres e importantes, capazes de ascender naturalmente a essa missão...", disse. "É simplesmente humana a nossa perspectiva de fé. Temos muita gente humanamente capaz e, se for fiel ao Espírito Santo, espero bem que sim, as coisas irão acontecer. Nós temos tido experiências extraordinárias de papas que vêm na 'hora h' para desempenhar um papel em favor da Igreja e do mundo. Nós acreditamos que isso poderá continuar", disse, esperançoso.
O cardeal reconhece o desafio que a Igreja tem agora de se colocar como referência para a humanidade em um mundo de mudanças rápidas e radicais. Nesse contexto, entende que é preciso prevalecer a combinação entre a fé e a realidade humana. Para não perder terreno, na opinião do cardeal, a Igreja precisa cada vez mais se associar à humanidade. A propagação do Evangelho, diz, não pode ser descolada da função social.
"Internamente, a Igreja tem a missão de viver a fé do Evangelho e a transmitir nesse tempo, com a estrutura diversificada, no mundo de hoje com grande e rápida evolução. Esta é a grande questão da Igreja, ter que associar a humanidade, o valor da 'casa comum' e o valor do evangelho. Isso não depende só do papa, depende de toda a Igreja, portanto espero que o Espírito Santo nos ajude a encontrar um líder capaz de nos fazer julgar e assumir o equilíbrio e levar a nossa vida para frente e com a Igreja sempre ajudando a humanidade a ser cada vez mais humana e mais social também", disse o cardeal.
Encontrar uma personalidade com tanto carisma como o papa Francisco não é tarefa fácil, mas o religioso caboverdiano disse confiar que é possível eleger alguém que tenha a dimensão da realidade. "A minha esperança é de que a Igreja, sendo conduzida pelo Espírito Santo, saiba encontrar a pessoa mais preparada para a complexidade do mundo atual e também em relação à complexidade interna atual", disse o cardeal de Santiago de Cabo Verde, que evita rótulos políticos. "Eu não gosto muito de falar no termos progressistas ou conservadores. Mas o certo é que a Igreja tem que ser o meu ponto de referência em humanidade. Tem que ser referência nas relações humanas, no cuidado uns com os outros", indicou.
"Casa comum"
Nessa perspectiva, o cardeal considera um grande acerto do papa Francisco ter levantado questões ambientais, sociais e políticas como temas que a Igreja precisa tratar. O novo papa, em sua concepção, precisa continuar difundindo essa ideia. "O papa Francisco lançou um tema muito pertinente que é a "casa comum", que precisa ser cuidada, porque, senão, corremos risco de desaparecermos todos no mesmo barco. Isso foi muito atual e teve muito impacto", defendeu.
"Naturalmente, o meu voto será nesse sentido. Nós perdemos um papa que era naturalmente o grande animador da evangelização e de fidelidade ao evangelho de Jesus Cristo, à Santa Igreja. Mas ele sempre colocava isso a serviço da humanidade. Tivemos também o papa João Paulo II, que dizia sempre que o homem é o caminho da Igreja. Então, o valor do Evangelho não está descombinado da humanidade."
Conclave
Os cardeais devem se reunir no Vaticano entre o 15º e o 20º dia após a morte do papa. Eles ficarão em acomodações isoladas, incomunicáveis com o mundo externo. Para ser eleito papa, um cardeal precisa receber apoio de dois terços dos cardeais-eleitores mais um - e a votação continua até que esse número mágico seja alcançado.
O Brasil tem oito cardeais, sete deles com direito a voto no conclave. Em tese, qualquer homem católico romano pode ser eleito papa, mas desde 1379 todos os papas saíram do Colégio de Cardeais, o grupo que vota no conclave. Neste domingo, 27, o tumulo do papa Francisco foi aberto à visitação na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma.
Trajetória do cardeal
Quarto filho de Ernesto Robalo Gomes e de Maria Furtado, o cardeal Arlindo Furtado nasceu e foi batizado na Freguesia de Santa Catarina, no arquipélago de Cabo Verde, em agosto de 1951. Ele passou pela escola primária em Achada Lem, na mesma freguesia, e entrou para o seminário em 1963. Foi no seminário que dom Arlindo cursou o ensino médio. Em 1971, mudou-se para Coimbra, Portugal, onde estudou teologia no Instituto de Estudos Teológicos. Voltou para Cabo Verde em 1976, quando foi ordenado padre, passando a trabalhar na paróquia de Nossa Senhora da Graça, em Praia.
Em agosto de 1986, estudou no Pontifício Instituto Bíblico, de Roma, onde obteve a licenciatura em Sagrada Escritura. Dom Arlindo retornou a Cabo Verde em 1990. Depois de uma vida dedicada à Igreja, na qual se tornou bispo em 2004, foi elevado a cardeal pelo papa Francisco em 2015. Ele é o primeiro cardeal de Cabo Verde na história. É também membro da Congregação para a Evangelização dos Povos e da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.