O que esperar da CPI das Bets?
A instalação da CPI das Bets (sites que permitem ao usuário apostar dinheiro real em eventos esportivos, como o número de escanteios, gols ou cartões de uma partida de futebol, com chances de ganho baseadas em probabilidades previamente definidas pela casa) no Senado brasileiro reflete não tanto uma busca por regulação e mais uma reação política à profusão das plataformas de apostas online. Ao contrário de outras CPIs recentes, que miraram escândalos específicos com forte potencial de desgaste institucional, esta comissão parte de um tema difuso, difícil de tipificar juridicamente, e marcado por uma simbiose ambígua entre entretenimento digital, lacunas legais e fluxos financeiros opacos.
O estopim para a CPI foi o crescente incômodo com o uso massivo de influenciadores digitais (alguns com alcance de milhões de seguidores) na promoção de sites de apostas, especialmente os chamados “cassinos virtuais”, cuja legalidade é contestada. A denúncia de que determinadas plataformas remuneram influenciadores proporcionalmente à perda dos usuários trouxe à tona não apenas o risco do vício, mas o incentivo perverso à ruína financeira dos seguidores. Ocorre que, embora essa prática soe eticamente condenável, sua regulação ainda é precária. Em 2023, o Congresso aprovou uma lei que legalizou e taxou as “bets”, mas a operação de “jogos de azar”, como roletas e slots online, continua em uma zona cinzenta.
É nesse vazio normativo que a CPI tenta operar. Mas há um problema evidente: a ausência de um fato determinado. Em CPIs clássicas, como a dos Correios ou a da COVID, havia um enredo central, atores identificáveis e material probatório em circulação. Na CPI das Bets, a pauta é dispersa. Vai do impacto econômico nas famílias à atuação do crime organizado, passando pelo uso de dados pessoais por empresas estrangeiras. O risco é a comissão se converter em palanque moralizante ou arena para disputas entre parlamentares conservadores e os setores do entretenimento digital.
Ainda assim, há o que observar com atenção. Primeiro, o campo político do bolsonarismo, que apoiou e se beneficiou de influenciadores ligados a casas de apostas, pode ser atingido.
Segundo, a atuação de operadores financeiros, sobretudo intermediadores e empresas de fachada, pode ser exposta. Terceiro, a CPI pode forçar a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados), o Banco Central e a Receita Federal a se posicionarem sobre uma economia digital que hoje movimenta bilhões sem supervisão robusta.
Mas não devemos esperar uma regulação consistente nascida da CPI. O que veremos, provavelmente, será um conjunto de propostas legislativas fragmentadas, voltadas a dar resposta a pressões públicas imediatas. Como ocorreu com a CPMI das Fake News, o tema deve continuar sendo tratado de modo reativo. A diferença é que, desta vez, o centro da controvérsia não é a desinformação política, mas a lógica de exploração da atenção, da vulnerabilidade emocional e do endividamento de milhões de brasileiros em ambientes gamificados, opacos e algoritmicamente manipulados.
Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper
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