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O que está em jogo no julgamento do STF sobre as redes

Suprema Corte retoma nesta quarta julgamento sobre artigo do Marco Civil da Internet que pode mexer no funcionamento das big techs no país

Foto: Gustavo Moreno/STF
Foto: Gustavo Moreno/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 4, o julgamento que envolve o alcance da responsabilidade das big techs sobre o conteúdo publicado nas redes sociais. O julgamento começou na semana passada, quando o tribunal ouviu as partes e quem mais se registrou para falar sobre o tema. Apesar de ter começado sua manifestação, Dias Toffoli não chegou a votar. A sessão deve ser retomada com a conclusão da apresentação do ministro.

O Marco Civil da Internet parecia pacificado a partir da aprovação do projeto sobre o tema no Congresso em 2014. Quatro anos mais tarde, a chegada de duas ações ao STF, no entanto, abriu a discussão sobre os limites da liberdade de expressão, a proteção a direitos fundamentais e os supostos riscos que as redes podem representar para a democracia.

Entidades que se mobilizaram nas décadas passadas pela criação do Marco Civil, inclusive com a defesa do texto que foi aprovado pelo Congresso, mudaram de opinião e hoje defendem a inconstitucionalidade de um dos artigos, o de número 19, que tira a responsabilidade das big techs pelo conteúdo veiculado. A definição se o artigo deve ser mantido da forma como está escrito ou não irá mexer com a vida de todos os usuários da internet. Entenda como:

O que é o Marco Civil
É uma lei aprovada em 2014 pelo Congresso Nacional que define direitos e deveres de quem usa a internet e de quem oferece o serviço.

Por que a lei foi parar no STF
No marco civil, há um artigo (exatamente o 19) que diz que os provedores do serviço de internet só podem ser responsabilizados por determinado conteúdo se houver uma determinação judicial para retirá-lo do ar e ela não for cumprida. O texto diz literalmente que, para “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

A questão central
A demora para retirar do ar aqueles conteúdos notadamente falsos e de incitação a crimes é o principal argumento para derrubar o artigo 19. A exposição de vulneráveis, como crianças e adolescentes, a conteúdo de incitação ao suicídio, automutilação e de violência sexual é uma das justificativas. Os defensores dessa tese dizem que a velocidade de difusão na internet, em contraponto à lentidão da Justiça, reforça a necessidade de derrubada do texto. Além disso, argumenta-se que ele contrariaria princípios constitucionais, que garantem a proteção à criança e o direito à intimidade. Esse ponto fez com que entidades que propuseram o marco civil tenham mudado de opinião anos após sua implementação. Agora, elas defendem que o STF derrube o artigo.

As partes da disputa
As big techs, o STF e as ONGs são os grandes players do debate. De um lado, empresas como Google, Facebook e X defendem a liberdade de expressão e dizem que responsabilizá-las pelo conteúdo publicado nas redes aumenta o risco de censura nas redes sociais. De outro, ONGs falam na proteção a crianças e adolescentes e os perigos de mensagens que propagam ódio, que muitas vezes vai além do mundo virtual e se traduz em violência no mundo real. Os onze ministros do STF ouviram as partes e outros interessados na semana passada e vão decidir sobre o tema no julgamento que será retomado nesta quarta.

Omissão do Congresso
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou na abertura da discussão sobre o tema que considera que o Judiciário esperou por um “período razoável” que o Congresso decidisse sobre a responsabilidade das redes sociais e sobre o conteúdo divulgado nelas. O ministro Alexandre de Moraes foi pelo mesmo caminho. “A ausência de uma regulamentação faz com que a jurisdição constitucional tenha que atuar”, explicou. A crítica não era novidade para os parlamentares. Em janeiro, o relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), afirmou que havia o risco de o Supremo tomar uma decisão sobre o assunto diante de uma omissão do Congresso. A espera não foi pequena. Em 2018, o Supremo considerou que o processo julgado agora serviria como referência para todos os demais questionamentos legais sobre o tema. Mas esperou uma definição do Congresso que não veio.

O momento
A rede de desinformação citada no inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe planejada por bolsonaristas e o atentado a bomba cometido em frente ao STF reforçaram ainda mais o desejo dos ministros de dar uma resposta rápida sobre o assunto. O argumento usado por algumas big techs de que praticavam autorregulação provocou reação na Suprema Corte. Alexandre de Moraes já mencionou, por exemplo, a dificuldade de apagar os perfis falsos com seu nome na rede, muitos deles que, inclusive, o atacavam. Ele disse ainda que as invasões de 8 de janeiro de 2023 mostraram que a autorregulação das redes não funciona. O ministro foi acompanhado na crítica por outros ministros, como Cármen Lúcia, que ironizou: “Tem até Cármen Lúcia com ‘m’ que se identifica como oficial”, exemplificou.

Controle x algoritmo
Alguns especialistas rebatem o argumento das big techs de que a derrubada do artigo 19 abriria espaço para censura nas redes sociais. De acordo com estudiosos no tema, as redes sociais já restringem ou alavancam as visualizações de determinados usuários a partir de interesses próprios, assim como também usam os dados pessoais para direcionar anúncios específicos e valorizar interesses comerciais. “Existe uma censura privada, que é feita com base nos termos de uso, que são públicos, e com o algoritmo, cujos critérios são desconhecidos do consumidor”, diz o pesquisador Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC).

As ações em julgamento
Relator de um dos casos que será votado, o ministro Dias Toffoli não chegou a anunciar sua decisão, mas já se manifestou contra o que considera uma “imunidade legal” indevida às empresas de tecnologia. No caso, o Facebook questiona uma decisão da Justiça paulista que condenou a rede social a excluir o perfil falso de uma pessoa que entrou com ação na Justiça por se sentir prejudicada e pediu indenização por danos morais. O outro caso, cujo relator é o ministro Luiz Fux, tem origem em Minas Gerais. Nele, o Google contesta a obrigação de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando for considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção judicial.

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