O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 4, o julgamento que envolve o alcance da responsabilidade das big techs sobre o conteúdo publicado nas redes sociais. O julgamento começou na semana passada, quando o tribunal ouviu as partes e quem mais se registrou para falar sobre o tema. Apesar de ter começado sua manifestação, Dias Toffoli não chegou a votar. A sessão deve ser retomada com a conclusão da apresentação do ministro.
O Marco Civil da Internet parecia pacificado a partir da aprovação do projeto sobre o tema no Congresso em 2014. Quatro anos mais tarde, a chegada de duas ações ao STF, no entanto, abriu a discussão sobre os limites da liberdade de expressão, a proteção a direitos fundamentais e os supostos riscos que as redes podem representar para a democracia.
Entidades que se mobilizaram nas décadas passadas pela criação do Marco Civil, inclusive com a defesa do texto que foi aprovado pelo Congresso, mudaram de opinião e hoje defendem a inconstitucionalidade de um dos artigos, o de número 19, que tira a responsabilidade das big techs pelo conteúdo veiculado. A definição se o artigo deve ser mantido da forma como está escrito ou não irá mexer com a vida de todos os usuários da internet. Entenda como:
O que é o Marco Civil
É uma lei aprovada em 2014 pelo Congresso Nacional que define direitos e deveres de quem usa a internet e de quem oferece o serviço.
Por que a lei foi parar no STF
No marco civil, há um artigo (exatamente o 19) que diz que os provedores do serviço de internet só podem ser responsabilizados por determinado conteúdo se houver uma determinação judicial para retirá-lo do ar e ela não for cumprida. O texto diz literalmente que, para “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
A questão central
A demora para retirar do ar aqueles conteúdos notadamente falsos e de incitação a crimes é o principal argumento para derrubar o artigo 19. A exposição de vulneráveis, como crianças e adolescentes, a conteúdo de incitação ao suicídio, automutilação e de violência sexual é uma das justificativas. Os defensores dessa tese dizem que a velocidade de difusão na internet, em contraponto à lentidão da Justiça, reforça a necessidade de derrubada do texto. Além disso, argumenta-se que ele contrariaria princípios constitucionais, que garantem a proteção à criança e o direito à intimidade. Esse ponto fez com que entidades que propuseram o marco civil tenham mudado de opinião anos após sua implementação. Agora, elas defendem que o STF derrube o artigo.
As partes da disputa
As big techs, o STF e as ONGs são os grandes players do debate. De um lado, empresas como Google, Facebook e X defendem a liberdade de expressão e dizem que responsabilizá-las pelo conteúdo publicado nas redes aumenta o risco de censura nas redes sociais. De outro, ONGs falam na proteção a crianças e adolescentes e os perigos de mensagens que propagam ódio, que muitas vezes vai além do mundo virtual e se traduz em violência no mundo real. Os onze ministros do STF ouviram as partes e outros interessados na semana passada e vão decidir sobre o tema no julgamento que será retomado nesta quarta.
Omissão do Congresso
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou na abertura da discussão sobre o tema que considera que o Judiciário esperou por um “período razoável” que o Congresso decidisse sobre a responsabilidade das redes sociais e sobre o conteúdo divulgado nelas. O ministro Alexandre de Moraes foi pelo mesmo caminho. “A ausência de uma regulamentação faz com que a jurisdição constitucional tenha que atuar”, explicou. A crítica não era novidade para os parlamentares. Em janeiro, o relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), afirmou que havia o risco de o Supremo tomar uma decisão sobre o assunto diante de uma omissão do Congresso. A espera não foi pequena. Em 2018, o Supremo considerou que o processo julgado agora serviria como referência para todos os demais questionamentos legais sobre o tema. Mas esperou uma definição do Congresso que não veio.
O momento
A rede de desinformação citada no inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe planejada por bolsonaristas e o atentado a bomba cometido em frente ao STF reforçaram ainda mais o desejo dos ministros de dar uma resposta rápida sobre o assunto. O argumento usado por algumas big techs de que praticavam autorregulação provocou reação na Suprema Corte. Alexandre de Moraes já mencionou, por exemplo, a dificuldade de apagar os perfis falsos com seu nome na rede, muitos deles que, inclusive, o atacavam. Ele disse ainda que as invasões de 8 de janeiro de 2023 mostraram que a autorregulação das redes não funciona. O ministro foi acompanhado na crítica por outros ministros, como Cármen Lúcia, que ironizou: “Tem até Cármen Lúcia com ‘m’ que se identifica como oficial”, exemplificou.
Controle x algoritmo
Alguns especialistas rebatem o argumento das big techs de que a derrubada do artigo 19 abriria espaço para censura nas redes sociais. De acordo com estudiosos no tema, as redes sociais já restringem ou alavancam as visualizações de determinados usuários a partir de interesses próprios, assim como também usam os dados pessoais para direcionar anúncios específicos e valorizar interesses comerciais. “Existe uma censura privada, que é feita com base nos termos de uso, que são públicos, e com o algoritmo, cujos critérios são desconhecidos do consumidor”, diz o pesquisador Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC).
As ações em julgamento
Relator de um dos casos que será votado, o ministro Dias Toffoli não chegou a anunciar sua decisão, mas já se manifestou contra o que considera uma “imunidade legal” indevida às empresas de tecnologia. No caso, o Facebook questiona uma decisão da Justiça paulista que condenou a rede social a excluir o perfil falso de uma pessoa que entrou com ação na Justiça por se sentir prejudicada e pediu indenização por danos morais. O outro caso, cujo relator é o ministro Luiz Fux, tem origem em Minas Gerais. Nele, o Google contesta a obrigação de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando for considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção judicial.