“Por enquanto, o movimento é político, não é um caso de defesa comercial. Precisamos esperar para saber qual é realmente o produto de interesse dos Estados Unidos.” A declaração de um alto executivo do setor do aço no Brasil resume bem o clima no governo, na diplomacia e nos setores produtivo e financeiro após o presidente americano, Donald Trump, anunciar tarifas de 25% em todas as importações de aço e alumínio. Para todos, uma coisa está bem clara: o aço não é o problema, mas o meio para Trump chegar aonde quer. “Ele quer reduzir tarifas para produtos dos Estados Unidos e conquistar novos mercados”, diz um interlocutor do governo brasileiro.
Apesar do frisson causado pelas declarações recentes, a diplomacia está em compasso de espera. Sabe-se que uma preocupação de Trump é ativar a economia e gerar empregos. A abertura de novos mercados para empresas americanas é um caminho muito mais interessante do que apenas gerar pressão na inflação, que já é um dos maiores problemas para o novo governo, encarecendo insumos importantes como aço e alumínio. Como a indústria local não tem como suprir a necessidade interna no curto prazo, a taxação das importações irá gerar, necessariamente, aumento de preços. E isso aconteceria num momento em que o país corre o risco de ter que elevar a taxa de juros para segurar os preços.
A lógica, segundo um executivo de uma grande instituição financeira americana, é que, fazendo a economia girar, Trump amenizará o impacto que a alta dos preços gerou, nos últimos anos, na percepção dos americanos de que a vida está piorando. Assim, mesmo que não consiga reduzir a inflação, haverá reflexos positivos no mundo real. “Sem isso, ele pode ficar com inflação e desemprego, o pior dos cenários”, avalia a fonte.
Países atingidos diretamente pela nova tarifa podem ser estratégicos para produtos americanos. “Os Estados Unidos têm grande dependência do alumínio e do minério de ferro do Canadá”, afirma o executivo. “Não há como substituir o que se importa no curto prazo. Aumentar tarifa das importações, geraria pressão na inflação”, argumenta, ressaltando que o Canadá tem um mercado financeiro fechado, o que é uma restrição para a atuação das empresas americanas, e os Estados têm total interesse em abrir espaço no país vizinho. Já na União Europeia, o foco é no setor automotivo. Nesse caso, Trump quer derrubar restrições para venda dos carros americanos.
Etanol e tecnologia: moeda de troca?
“No Brasil, os produtos americanos são taxados com uma tarifa média de 30%, já no limite que, pelas regras da OMC, é percebido como protecionismo ou violação dos compromissos internacionais”, diz o executivo. Enquanto isso, os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos pagam tarifa média de 3,4%.” Washington tem interesse, por exemplo, em vender etanol para o Brasil. A tarifa de importação do produto vindos dos Estados Unidos, que tinha acabado no governo Bolsonaro, foi retomada na gestão Lula.
Abrir o mercado brasileiro para o etanol americano beneficia diretamente colégios eleitorais onde Trump venceu Kamala Harris na disputa pela Casa Branca, no ano passado, como Iowa, Nebraska e Indiana. Iowa, por exemplo, que é um estado importante na corrida eleitoral americana e tradicionalmente um reduto dos republicanos, é o maior produtor de etanol do país. Com uma base forte de agricultores, o estado se destaca ainda na produção de milho, insumo para o combustível.
Outra frente que pode entrar na barganha é a de tecnologia e, aí, está incluída a briga sobre regulamentação das plataformas digitais. O tema que gera polêmica está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), órgão que, em 2024 protagonizou uma disputa com o bilionário Elon Musk, dono da rede X (ex-Twitter), nome da confiança do presidente americano e, atualmente, no comando do Departamento de Eficiência Governamental, na gestão Trump.
Desde a vitória de Trump nas urnas, a diplomacia brasileira já vem mapeando áreas estratégicas que podem ser alvo de barganha nas negociações, mas aguarda medidas efetivas antes de qualquer movimentação. “Primeiro, é preciso esperar que a medida aconteça e olhar o detalhe”, diz uma fonte do governo. “Os últimos anos mostraram isso. O mundo não vai acabar a cada declaração de Washington”, emenda.
Trump, diz um interlocutor oficial, não quer ficar anos negociando para abrir um mercado. Em vez disso, ele parte para a intimidação e tenta acelerar o processo. “Essa é a mesma estratégia que ele usou para aumentar sua fortuna no mercado imobiliário. É preciso ter calma e saber reagir.”
Não à toa, as primeiras declarações do governo brasileiro foram nessa linha. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que a decisão era de “só se manifestar sobre decisões concretas”. O vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Ackmin, disse que é melhor “aguardar e acreditar no diálogo”.