A política escancarou a difícil condição de ser mulher no Brasil, mesmo para aquelas que exercem o poder e têm voz. Foi a primeira semana da ministra Gleisi Hoffmann na SRI (Secretaria de Relações Institucionais). Ao mesmo tempo que ela cumpriu uma agenda intensa de conversas com vários atores políticos, em articulações que começam a conquistar o respeito de partidos do Centrão, a petista viveu episódios de misoginia. Ela se indignou com ataques oportunistas da oposição e perdoou quem achava que merecia - no caso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que escorregou no machismo ao tentar elogiá-la. Em sete dias, Gleisi viveu o céu do poder e o inferno do preconceito.
A ministra se reuniu com os presidentes da Câmara e do Senado e começou a romper com antigas ideias disseminadas no meio político. Uma delas era que ela era radical demais para estabelecer um diálogo profícuo com partidos do Centrão, grupo político que domina o Parlamento. Na quinta-feira, 13, começou a colher frutos das conversas que manteve com diferentes atores políticos. Foi até elogiada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), bem na linha da imagem que ele pretende imprimir no novo posto: a de construtora de uma nova relação entre Executivo e Legislativo.
Ao falar das primeiras impressões sobre a condução da ministra, Motta traçou um cenário bem diferente daquele que havia sido pintado quando Lula surpreendeu a todos com a escolha de Gleisi para a articulação política. Motta se referiu a ela como uma pessoa de "extrema confiança do governo" e de perfil "muito direto e eficiente". "Isso facilita bastante o diálogo entre o Executivo e o Legislativo", disse o deputado, ao participar de um encontro promovido pelo Todos pela Educação, em São Paulo.
Com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), Gleisi se reuniu também mais de uma vez. A sintonia entre eles se mostrou, por exemplo, em relação à primeira pauta do Congresso sob o comando da casa. Em um grande acordo, governistas, centristas e oposição se juntaram para aprovar um drible nas exigências feitas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), por iniciativa do ministro Flávio Dino, para ampliar a transparência das verbas das emendas parlamentares. A corte impôs regras para garantir o mínimo de transparência na destinação dos recursos, mas o Congresso, com o apoio do governo, ainda insiste em manter o anonimato na indicação das emendas.
Ministra forte
Gleisi também procurou combinar com outros ministros uma estratégia para lidar com o Congresso e, na SRI, passou a atuar como uma coordenadora importante dentro do governo. Essa função já era prevista antes de sua chegada ao cargo.
Quando era cotada para a Secretaria-Geral da Presidência, alguns ministros da "cozinha" do Planalto não gostaram muito da ideia por considerar que ela era politicamente maior do que qualquer outro auxiliar de Lula. Além disso, falavam sob reserva sobre o "perigo" de tê-la no Planalto, com amplo acesso a Lula e capacidade de abordar qualquer assunto, inclusive de outras pastas da Esplanada. O presidente chegou a falar sobre isso em uma entrevista que deu em fevereiro, na qual apontou a agora ministra como um quadro político com qualidade para assumir qualquer lugar no governo.
Uma das críticas mais frequentes em relação ao terceiro governo de Lula é que não havia um ministro forte o suficiente para coordenar o governo. Muitos faziam referência a auxiliares fortes que Lula teve no passado, como José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil no primeiro mandato, e desmereciam a capacidade de articulação de Rui Costa, o atual ocupante do cargo. Um sinal do baixo prestígio de Costa apareceu na primeira reunião ministerial, em 2023, quando Lula repreendeu integrantes da equipe que não comunicavam o titular da Casa Civil antes de divulgarem suas ideias. "Qualquer genialidade que alguém possa ter, é importante que antes de anunciar façam uma reunião com a Casa Civil'", pediu Lula.
A orientação do presidente, no entanto, não valeu para todos. Ao negociar o arcabouço fiscal e o pacote de cortes de despesas, Fernando Haddad (Fazenda) se reunia diretamente com o presidente até fechar uma proposta que seria apresentada ao governo. Lula, na semana passada, chegou a responder sobre os rumores de briga entre Haddad e Rui em um discurso no Planalto. “De vez em quando eu vejo muita gente: ‘Ah porque tem briga entre Haddad e o Rui Costa’. Não, quando tiver briga entre os dois, eu sou o separador dessa briga. Eu sou o separador porque tem uma mesa redonda (de) que eles participam”, disse na quarta-feira, 12.
Naquele mesmo dia, em uma demonstração da relevância da nova ministra no primeiro escalão do governo, Gleisi participou do lançamento do programa "Crédito do Trabalhador", uma das apostas do Planalto para melhorar a popularidade de Lula. A imagem da solenidade (foto) mostra a ministra como única mulher na cúpula do governo, entre o presidente, o vice Geraldo Alckmin, Hugo Motta e Haddad.
Costura interna
Na quinta, 13, a movimentação de Gleisi demonstrou que ela atua para sanar o problema da disputa entre Fernando Haddad e Rui Costa. Pela manhã, ela esteve com o ministro Haddad no Ministério da Fazenda. Foi recebida pelo colega com gentileza, na porta do elevador privativo. Saiu da Fazenda e voltou para o Planalto para almoçar no gabinete com Rui Costa, em uma clara tentativa de costurar uma unidade e evitar sinais trocados dentro do governo.
O encontro com Haddad também tinha o objetivo de combinar uma convivência pacífica. Apesar de ser seu correligionário no PT, Gleisi protagonizou fortes embates com ele sobre a condução da economia enquanto era presidente do partido. Ela divergia publicamente em relação à defesa da meta de déficit fiscal zero, mantra repetido pelo ministro, e também quanto ao pacote de corte de gastos anunciado no final do ano passado.